Por Willians Fausto
Em 1995, Gilmar M. Dias, chefe do setor de Comunicação Empresarial da Rede Ferroviária Paulista S/A (RFFS/A), contava em uma carta à estudante Laisa T. Ferrel o caos do sistema ferroviário no Brasil. Dizia que há vinte anos uma escassez sem fim rondava as verbas destinadas ao setor. Lembrava a estudante, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, que o último grande investimento havia sido a aquisição de locomotivas GE U20-C em 1975. Desacorçoado desde que o governo Collor reduziu a subvenção que barateava o transporte ferroviário para empresas como a Shell, Texaco, Esso e Itahum, não via outra solução que não a privatização.
Um ano após o “clamor” do funcionário da RFFS/A, o então presidente Fernando Henrique e seus ministros do Planejamento e dos Transportes – respectivamente José Serra e Odacir Klein – “atenderam” ao pedido de Gilmar e leiloaram toda a malha oeste das ferrovias brasileiras. Sem concorrente, o Noel Group levou a concessão de uso por 30 anos pelo lance mínimo: U$$ 316,9 milhões ou R$ 439 milhões na época (Correio do Estado 23/06/96 - MS).
Bauru logo recebeu a visita do grupo, que passou a se chamar Novoeste. O presidente Glen Patterson Michael e outros diretores, após prometerem a construção de um hotel na cidade, trancaram a estação e nunca mais apareceram. Hoje, segundo o historiador João Francisco Tidei de Lima, restam na cidade seis funcionários responsáveis pela manutenção dos dormentes e trilhos.
Esse início de relação entre funcionários da antiga Rede com o empresariado norte-americano já chamava à atenção no período que antecedeu o leilão. Antes do processo de privatização, a RFFS/A contava com 40,5 mil funcionários. Em dezembro de 1995, pouco antes da concessão, 18 mil funcionários foram demitidos. Numa entrevista três meses após o leilão para a Revista Ferroviária (outubro de 1996), Glen acreditava que até o final de 1997 geraria 160 mil empregos diretos.
Hoje, a Novoeste, junto com a Ferroban e a Ferronorte, compõe o grupo Brasil Ferrovias S/A. Restam no Brasil menos de 20 km de malha ferroviária, tanto quanto na década de 20. Só que na Republica Velha toda essa extensão funcionava. Agora, entre sucatas, dormentes podres e bitolas incompatíveis (no Brasil, segundo João Francisco, a maior parte das estradas de ferro é composta por bitolas métricas – fáceis de instalar e com eficiência reduzida por não suportarem trens em alta velocidade - porém há regiões, como o norte do país, que utilizam bitolas de outros tamanhos), pouco sobrou em funcionamento.
Além disso, a Brasil Ferrovias deixou de pagar em dia o arrendamento (similar a um “aluguel” estipulado no contrato de concessão). No ano passado, o jornal Folha de S.Paulo (28/04/03) contava que só no primeiro trimestre a Ferroban, que pertence ao grupo Brasil Ferrovias, havia acumulado um prejuízo líquido de 34,6 milhões de reais. No mesmo período foram feitos quatro pedidos de concordata.
Só para lembrar: Gilmar M. Dias também perdeu o emprego com a privatização. Sua carta e tudo o que resta da história da RFFS/A (antiga Noroeste) encontram-se no Centro de Memória Regional da UNESP-RFFS/A.
Willians Fausto, estudante de jornalismo (na época)