Nasi e Scandurra falam sobre música, carreira, filhos e relação com os fãs
Como foi a entrevista
Conversei com Nasi e Edgard Scandurra por telefone, em meados de agosto de 2004, dias antes de o Ira! apresentar na Cervejaria dos Monges, em Bauru, o showzaço Acústico MTV, com mais de duas horas e meia de duração. Trechos da entrevista foram publicados na revista Todateen, da Editora Alto Astral, onde trabalho como repórter. Mas, como bastante material ficou de fora, achei que faria justiça se pudesse compartilhar uma parte com quem, como eu, adora rock nacional e considera o Ira! uma das mais importantes bandas brasileiras.
Sobre o Acústico MTV
Conheço muita gente que aprendeu a curtir o Ira! depois do lançamento do Acústico MTV em junho do ano passado. O CD trouxe visibilidade aos caras, lustrou velhos sucessos como O Girassol e Eu Quero Sempre Mais e também mostrou trabalhos novos e cheios de fôlego como Flerte Fatal, Por Amor e Poço de Sensibilidade.
Mas o que o CD fez de melhor foi revigorar a paixão por músicas encartadas nas trilhas sonoras de muitas vidas (inclusive a minha!): Envelheço na Cidade, Mudança de Comportamento, Dias de Luta, Flores em Você e, especialmente, Núcleo Base, um hino de idéias e ideais cercado de lirismo por todos os lados.
Qual o aspecto mais legal do CD Acústico da MTV?
Nasi - Eu diria que a interação com o staff da MTV foi muito legal. Senti que todo o pessoal da emissora, sem exceção, torceu para que tudo corresse bem. Todo mundo cantava as nossas músicas!
Edgard - A escolha do repertório, porque o CD reúne músicas de diferentes épocas do Ira! Também tivemos a possibilidade de fazer justiça a algumas canções, como O Girassol, que quando foi lançada, em 1996, foi vista com descaso, não foi recebida com carinho. A presença dos convidados Samuel Rosa, Pitty e Paralamas do Sucesso também foi importante: nós conseguimos reunir músicos de três gerações do rock brasileiro.
De qual música vocês gostam mais?
Nasi - O CD atendeu e até superou nossas expectativas, mas vou citar cinco músicas que ficaram supra-excelentes: Dias de Luta, Rubro Zorro, O Girassol, Flerte Fatal e Por Amor, que é uma música linda composta pelo Zé Rodrix.
Edgard - Gostei muito do resultado de Eu Quero Sempre Mais.
O público do Ira! rejuvenesceu com o lançamento desse CD. Vocês têm consciência disso?
Nasi - Olha, é um bom sinal que o Ira! esteja atingindo adolescentes e até pré-adolescentes. Esse público mais novo tem uma noção pura do que é música, ainda não está contaminado, e pode continuar com a gente ao longo de outros trabalhos. Mas tem uma coisa: o público do Ira! sempre foi bem jovem. É um pessoal que vai a shows, que assiste à MTV, uma garotada mesmo. Mas também temos os fãs trintões... (risos).
Edgard - Esse projeto atingiu em cheio os adolescentes, que formam o público da MTV. Sabemos que captamos um público novo, embora os fãs do Ira! sempre tenham sido, na sua maioria, jovens. Eu me lembro de que, em 1998, o presidente do nosso fã-clube tinha 16 anos.
Vocês vêm de uma geração que lutou muito pela própria liberdade, e hoje são pais de adolescentes e pré-adolescentes (Nasi é pai de Carolina, 15 anos, e Melody, 13; e Edgard é pai de Daniel, 16, Lucas, 12, Joaquim, 4, e Estelinha, 10 meses). São liberais com seus filhos?
Nasi - Eu sou um pai completamente permissivo. Outro dia, a mãe de uma das minhas filhas me ligou dizendo que ela queria fazer piercing e tatuagem e qual providência eu iria tomar. Disse para ela que não iria tomar nenhuma providência, porque prezo a liberdade das minhas filhas. Como não convivo diariamente com elas, procuro ser um amigo. Não tenho tabu em relação a sexo, virgindade e namoro, não sou um pai ciumento nem severo. Uma vez, disse para a mais velha: "Olha, pode namorar, mas se o seu namorado não te tratar bem, você liga para o papai, porque o papai resolve isso rapidinho, tá?" (risos). O melhor que você pode fazer a um filho é dar a ele liberdade e possibilidade de diálogo, manter um canal sempre aberto.
Edgard - É muito gostoso ter filhos com idades tão diferentes. Sou um pai tranqüilo, amigo.
Vocês começaram bem cedo na música, com 18, 19 anos. Chegaram a fazer faculdade?
Nasi - Eu venho de uma família de historiadores (um dos tios de Nasi é professor na USP) e cheguei a cursar três semestres de história na USP. Mas larguei a faculdade e resolvi encarar a música, não dava para conciliar.
Edgard - Cheguei a prestar história, geografia e direito, e até passei na primeira fase da Fuvest, mas não dei continuidade, nem fui fazer a segunda fase. Com 16 anos, antes da formação do Ira!, eu já tocava profissionalmente.
Os pais de vocês implicaram com o fato de vocês decidirem ser músicos?
Nasi - Olha, naquela época, ser músico não era uma profissão alternativa, era marginal mesmo, era uma perdição (risos). Mas eu saí de casa e fui morar com uns amigos quando tinha 19 anos, então, a pressão diminuiu um pouco. Um desses amigos era o André, que é o baterista do Ira!
Edgard - Minha mãe queria que eu fosse advogado, porque minha família tinha umas pendências judiciais para resolver e achava que poderia contar comigo para isso. No começo, não foi tão tranqüilo, mas, depois, como eu comecei a ganhar dinheiro e ajudar a pagar a luz e a reforçar o café da manhã, as coisas melhoraram em casa. Comecei também a receber elogios e isso foi importante para os meus pais acreditarem que eu era um músico, e não um vagabundo.
Qual o maior mico que vocês já pagaram em um show?
Nasi - Não sei se você sabe, mas eu já tive uma época de muita doideira na minha vida. Uma vez, estava em Belo Horizonte, e abri o show assim: Boa noite, Porto Alegre!" (risos).
Edgard - Há uns oito anos, houve um show no Pacaembu em homenagem ao Raul Seixas. Uma emissora de tevê até exibiu esse show. A gente decidiu tocar aquela música do Raul: Eu sou a mosca que pousou na sua sopa, sabe? Só que o Nasi estava nervoso e atropelou demais a banda. Tivemos que recomeçar a música seis vezes! Saímos pelo vestiário debaixo de vaias como aqueles jogadores de futebol que tomam uma goleada e saem pelos fundos para fugir dos torcedores (risos).
Como todo vocalista, você é o mais assediado da banda. Lida bem com isso?
Nasi - Olha, vou dizer uma coisa: particularmente, sempre fiz sucesso com as mulheres. Gordo, magro, mais novo ou mais velho, sempre fui assediado. E lido bem com isso. Acho que existe toda uma mística em torno do vocalista, como você falou. Como é ele quem canta, acaba mexendo com os sentimentos das pessoas. Isso acontece com outras bandas de rock. Enquanto os meninos ficam olhando a guitarra do Edgard, as meninas ficam olhando para mim (risos).
Vocês estão na estrada há 23 anos. É difícil manter a união depois de tanto tempo?
Edgard - Somos quatro caras e quatro muletas. Quando um de nós está deprimido, os outros três ajudam a segurar. Mas o que nos mantém unidos é o respeito mútuo. A gente se respeita tanto que sente dificuldade em dizer um para o outro: "cara, eu quero que você não faça mais isso". Temos medo de ofender um ao outro. É uma amizade muito verdadeira.
Nasi - Qualquer relação tem momentos bons e ruins. Assim, uma banda de rock de 23 anos é como um casamento. Mas tivemos sorte porque nos encontramos na hora certa, gostamos do que fazemos e temos um público fiel. Tenho a sorte de trabalhar com pessoas que escolhi e me orgulho da nossa união. Subir num palco é um trabalho muito especial. Você precisa estar completamente à vontade com a banda, senão, nada dá certo.
Quais são as principais qualidades e os piores defeitos do Nasi?
Edgard - Ele é um cara muito verdadeiro, que não consegue esconder os próprios sentimentos. E é uma das pessoas que mais lutam por justiça social que já conheci. Acho que vem daí o principal defeito dele: ele tem um desejo tão exacerbado de fazer justiça que acaba se tornando um pouco agressivo.
Mas ele é o Wolverine, ele tem de ser um pouco agressivo...
Edgard - É verdade, ele é o Wolverine! (risos). Apesar de que o Nasi está numa fase bem paz e amor...
Quais são as principais qualidades e os piores defeitos do Edgard?
Nasi - Ele é intuitivo, inspirado, inteligente e uma pessoa muito boa. Por outro lado, é hiperativo, desorganizado, vive embolado, se enrolando com as coisas. É um cara capaz de marcar dois compromissos no mesmo dia e na mesma hora! (risos). Já disse para ele comprar uma agenda. O que acontece é que nós, os aquarianos...
Edgard - Acho engraçado o Nasi dizer isso, porque somos amigos, mas não somos parecidos... Não tem essa de "nós, os aquarianos..." (risos)
Nasi - Espera! O Edgard não entende nada de Astrologia. Ele é Aquário com ascendente em Aquário (Edgard nasceu no dia 5 de fevereiro de 1962; Nasi, no dia 23 de janeiro do mesmo ano), por isso, é tão desligado. Funciona assim: a gente pensa como o signo solar e reage como o ascendente. Eu sou Aquário com ascendente em Áries, por isso, penso como um aquariano, mas reajo como um ariano. Áries é um signo regido por Marte, o planeta da guerra.
Por isso, você se identifica tanto com o Wolverine...
Nasi - Com certeza. Essa coisa de ser chamado de Wolverine pelo pessoal da MTV começou agora, mas eu já usei costeletas em 1990 e 1991, e algumas pessoas já notavam a semelhança com o Wolverine e me falavam. Só que, na época, eu não conhecia o personagem. Gosto do Wolverine, porque ele é solteiro e solitário como eu. Ele preserva mistérios como eu. Não gosto de personagens como o Batman e o Capitão América, que lutam contra o mal e defendem o governo americano. O Wolverine é mais verdadeiro porque ele é contraditório, tem defeitos e qualidades como qualquer pessoa, não é policialesco. Na minha opinião, ninguém é completamente bom nem completamente mau.