Não o filme, recente superprodução. De repente, quis falar de Beatles…
A longa e sinuosa estrada…
O que os Beatles começaram a criar há mais de 40 anos ainda mantém um vivo frescor de atualidade. Talvez seja esse o segredo da beatlemania ao redor do mundo. Mas não gosto do “ôba-ôba” verborrágico em torno dos “fab-four”. Foram grandes - mas podem ser superados um dia. Isso ainda não aconteceu.
Fácil é afirmar que foram geniais. Prefiro destacar que antes mesmo do primeiro disco, já acumulavam anos a fio de estrada, noites em claro e quartos mofados de hotéis. Chegaram a tocar na Alemanha quando o caçula George Harrison ainda tinha 17 anos. Foram reprovados por uma gravadora (Deca Tapes) no início de carreira, quando chegaram a gravar "Besame Mucho" (!). Não eram ricos de berço. Tinham problemas familiares e de saúde. Pastaram. Mas não se tem notícia sobre vaias em shows.
Sem arremendos - O que começou como um passatempo entre amigos, no final dos anos 50, invadiu os loucos anos 60. Então, é lançado o primeiro disco, em 1962, já com várias canções assinadas pela dupla Lennon & McCartney (ou melhor, McCartney & Lennon, como veio grafado nos vinis da época).
Iniciantes, mas bocudos, não aceitaram que a famigerada (porém necessária) música de trabalho do primeiro álbum fosse de outro autor. Bateram o pé e "Love Me Do" chegou às rádios. Fraquinha, foi gravada num "tapa" só, com Lennon à gaita alterando os vocais com Paul. "Twist And Shout" foi outra registrada de primeira, sem arremendos tecnológicos. E tinha "Please Please Me". Ok. Uma estréia promissora - mas nada além disso.
Marketing pré-histórico - O segundo disco de carreira era mais consistente. "With The Beatles" (63), a exemplo do primeiro, mesclava covers ("Please, Mr. Postman") com faixas autorais ("All My Loving"). Na sequência, apesar de irregular, "A Hard Days Night" (algo como "A Noite de Um Dia Difícil", brincadeira do baterista Ringo Starr) estourou no Reino Unido - inclusive com o filme homônimo.
Ato contínuo, mais um álbum lançado em curto intervalo - "Beatles For Sale" (o mais fraco de toda a carreira). Sim, eles estavam à venda. Nunca negaram - e a indústria do disco agradecia e pedia bis.
A onipresente - Os tais "reis do iê-iê-iê" (medonho apelido) seguiam seu curso óbvio: o estrelato mundial. Foi com "I Want Hold Your Hand" (também gravada em alemão) que a conquista da América - via programa "Ed Sullivan" via satélite - finalmente se materializou.
Eis que o álbum "Help!" invade o mundo em 1965 com tudo a que tinha direito: loucura de fãs, grande polêmica em torno de uma frase de Lennon (usada fora de contexto pela imprensa) - "Somos mais famosos que Cristo" - e a canção que viria a ser a mais regravada de todos os tempos ("Yesterday") na mesma lista que tem a carioquíssima "Garota de Ipanema" em quinto lugar. Bem, pelo menos é o que dizem...
Inveja é criação - O fato é que a histeria começou a comprometer a qualidade dos shows. Então, o divisor de águas: "Rubber Soul" (nome de banda cover de Bauru e de um álbum do Beto Guedes) e suas influências indianas e canabianas.
Belo álbum movido a maconha, álcool, bolinhas... Mas, acima de tudo, criativo e impactante. Antecipava, na prática, o que viria a seguir: "Revolver" - para muitos críticos, o melhor dos Beatles e figurinha fácil entre os dez mais de todos os tempos. Muitas experimentações como em "Tomorrow Neves Knows" (algo como "Amanhã Nunca se Sabe"), gravada em um único acorde - Dó Maior. E muita ironia na faixa de abertura ("Taxman") que criticava a política de impostos britânica (ou algo assim).
Na época (1966), os Beach Boys fizeram "Pet Sounds" e Paul quase morreu de inveja. Prometeu fazer algo ainda melhor - e orquestrou a construção do que viria a ser "Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band". Ou, como muitos dizem, o melhor álbum já gravado - pura transformação de música comercial em obra de arte inquestionável.
Fênix - Então vieram "Magic Mistery Tour" (com canções excepcionais como "Strawberry Fields Forever", asilo que fechou há três semanas em Liverpool), o "Álbum Branco" (duplo, como muitas músicas compostas na Índia e aquela que, dizem, foi o primeiro "metal" gravado, "Helter Skelter"), "Abbey Road" (com "Something", de Harrison, que Frank Sinatra interpretou achando que fosse de Lennon & McCartney) e "Let It Be" (auge das brigas, Yoko Ono no estúdio, Lennon neurótico, Paul mandão, deprê total). Mas é neste disco, lançado em 1970, que temos "The Long And Winding Road" - "A Longa e Sinuosa Estrada", o que não é pouco por se tratar de uma espécie de "música perfeita".
E é isso: nesse ora suave, ora acidentado trajeto percorrido, os Beatles escreveram a história de uma geração. E como jovem é jovem em qualquer tempo ou idade, a paixão renasce das cinzas a cada nova década. Uma usina de fazer dinheiro - mas, principalmente, uma deliciosa fábrica de incríveis canções.