Reciclagem neles

Ao menor sinal de escândalo, apela-se logo para uma CPI. Muita indignação, acusações pela mídia, lavagem de honra, de dinheiro e de roupa suja. Mas quando se vai conferir o resultado, lá se foram tempo, esperança e dinheiro público em vão. Quase tudo fogo de palha. No apagar das luzes, apenas a assinatura do diabo e, no ar, um cheirinho de enxofre, quer dizer, de mussarela e orégano.

Cogita-se, então, de privatizar os tais elementos, com leilão e tudo. "Quem dá mais? Um senador envolvido com narcotraficantes" ou "Um juiz com poupança clandestina na Suíça" e outros mimos semelhantes. Distribuição de catálogos com fotos dos leiloáveis, frente e perfil, além de folha corrida e antecedentes. Cunhados, maridos, irmãos e sócios, oferecidos como brindes. Mas a idéia também não funciona. Ninguém quer investir em peças tão pouco nobres.

Tenta-se, ainda, a Bolsa de Valores: todos os mutreteiros transformados em ações ao portador. Mas quem quer ser portador de ações já tão desvalorizadas, sem nenhuma liquidez no mercado? Rifas, promoções do tipo leve-5-e-pague-3, ações entre muy amigos, mas nada dá vazão ao número de papéis podres jogados no mercado.

Resta, então, a última cartada, moderna e ecologicamente correta: reciclagem neles! Para a enorme demanda, várias usinas de reciclagem e compostagem espalhadas pelo país esperam pela matéria-prima. Famintas por um lixinho novo, as usinas estremeceriam de prazer ao receberem em suas entranhas a fina flor da moral nacional. E no final do processo, a população teria acesso a produtos reciclados, bem mais úteis e baratos aos cofres públicos e ao bolso da galera pagante do que funcionários caríssimos, inoperantes e de folha corrida tão limpa quanto um pau de galinheiro. Todos teriam acesso a papéis de múltiplos usos, objetos de cozinha, vidros e adubos, o que fosse necessário. Tirando-se a escória de circulação, o país sairia ganhando e o usuário teria em mãos provas vivas de que a Justiça não tarda nem falha.

E numa mesa de bar, por exemplo, entre um chope e outro, se ouviriam comentários do tipo: "Essa tulipa na sua mão era o Ministro Tal, condenado por superfaturamento" ou "Tá vendo aquele guardanapo colorido? Era aquele senador que deitou e rolou no tráfico de influência" ou ainda "Esse palito de churrasquinho era aquele vereador que usou a verba da merenda escolar pra comprar um jatinho pra família" e assim por diante. Nas escolas e universidades, a Moral e a Ética sairiam da teoria e passariam a ser ilustradas com exemplos concretos. E a impunidade - aquela, lembra? - ficaria relegada a uma página reciclada no Museu Histórico Nacional.

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