Um provedor de internet, se não me engano o UOL, fez um anúncio por estes dias para divulgar seu serviço de e-mail e lançou mão de um velho e eficiente recurso, que dificilmente deixa de chamar a atenção das pessoas: a piada que usa a morte. O rapaz chega todo brincalhão a um certo lugar e, não tendo recebido a tempo uma mensagem eletrônica, desconhece que ali há o velório de alguém. Ao perceber o fora, ele fica encabulado, e os demais, constrangidos.
É curiosa a relação do ser humano com a velha senhora que, vestida de preto, anda por aí, arrogante, com a foice à mão. Tão curiosa que, às vezes, vira motivo de chacota, como trata o comercial feito para a televisão.
Na cidade em que eu nasci, por exemplo, um velhinho muito conhecido adorava estar em meio a rodinhas de conhecidos, ou desconhecidos, na maior parte do tempo tocando seu pandeiro, sempre levado a tiracolo. Numa noite, voltando do bar, de onde a freguesia já tinha se mandado, avistou do outro lado da rua uma pequena reunião. Embalado pelos bons fluidos do samba e da noite enluarada, não teve dúvidas: chegou batucando para animar a conversa. Só dentro da sala é que foi perceber que se tratava de um velório. Os parentes do defunto saíram com ele nas costas.
Numa outra ocasião, o sujeito morreu e a família, como era costume até há um certo tempo, decidiu fazer o velório em casa. Tudo correu dentro dos conformes. Passou a noite, chegou a manhã e logo deu a hora do enterro. Fez-se a reza e os parentes se despediram. Era chegado o difícil momento em que se fecha o caixão. O agente funerário, então, foi buscar a tampa, que geralmente ficava escondida atrás da porta. Mas qual! Que tampa, que nada, ora essa! Formou-se um pequeno tumulto, até que alguém trouxe a informação: a tampa do caixão tinha virado carrinho de rolemã - o precursor jurássico do skate - e a molecada estava num incansável sobe-e-desce na rua íngreme que passava ao lado.
Também já houve de, no meio da tristeza do velório, alguém se atrapalhar na hora de dar os pêsames e cumprimentar a viúva com um inusitado "parabéns". Outra: na porta do cemitério, após acompanharem um enterro, o amigo novo diz para o mais velho: "Ei, Fulano, logo é você, hein?" Tudo isso é fato, não existe invenção aqui, embora possa haver um ou outro ajuste necessário.
No começo do século passado, época em que, nos enterros distantes da zona rural, era comum o defunto ser levado ao túmulo apenas por um carroceiro contratado para o serviço, um parente de minha família chegou com sua carroça ao cemitério e quando se deu conta, tinha perdido o corpo pelo caminho. Lógico, ele voltou, recolheu os restos mortais da vítima e levou-os para o coveiro dar conta de finalmente enterrá-los.
Para terminar, uma escatológica. Eu era repórter numa cidade do interior de São Paulo e um dia recebi a sugestão para a matéria. A velhinha morreu de repente. Feito o velório, antes que fechassem o caixão, o velhinho marido pediu licença e, com extremo zelo, abriu a boca da companheira e retirou-lhe a dentadura da arcada inferior. Na verdade, os dentes eram dele. Fizera o empréstimo apenas por uma questão de estética póstuma.
Bom, se você está esperando algum desfecho para este texto, do tipo que analisa nossa relação com a morte, ou, talvez, uma espécie de moral da história, desista. Não digo nada que não seja apenas isto: não vejo graça nenhuma nessa tal.