Ela perdeu duas horas no cabelereiro, passou no shopping para pegar um novo salto agulha.
Não esqueceu a maquiagem da moda, o esmalte preto nas unhas, a calça de lycra que deixava a bunda redonda e empinada.
Afinal, a noite era dela. E ela ficava muito bem com sangue nas mãos.
Ainda não tinha decidido quem seria a próxima vítima. Mas não era isso que a deixava inquieta – afinal, com decote em V e doses de uísque depois, elas surgiam como ovelhas.
Seu problema era saber como matar – andava entediada, sabe? Sempre do mesmo jeito, perto do mesmo horário, aquelas coisas.
Nem suava mais. Vomitar, então, só na primeira vez, e muito pouco. Hoje, matava, colocava a cabeça no travesseiro, sentia aquele cheiro de aloe vera do amaciante e dormia o sono dos deuses.
Nem se banhava. A maldade colérica era sua água benta.
Queria se divertir. Queria brincar com sua vítima. Queria ser imensuravelmente sádica, fazer de Haniball um filhote de rato assustado.
Queria ser perversa.
Enquanto Lou Reed tocava na vitrola, ela pensava. Fagulhas de idéia pintavam, mas nada pegava fogo.
Só ela. Por dentro.
Decidiu improvisar. Entrou no carro e foi para a boate.
Aquele gente ordinária de sempre, engomadas em suas roupas de marcas, com suas bebidas caras e suas vidas desinteressantes, escondidas atrás de trabalhos medícores, posses que não eram suas, blablablás de dar azia.
Que nojo de lugar.
Fez seu ritual. Pediu uma bebida, desferiu olhares, entrou na pista.
Por segundos, o mundo parou para ela dançar.
Fechou os olhos e dançou. Deixou as mãos subirem e desceram pela calça e pela blusinha verde, ora revelando coxas grossas, ora ameaçando mostrar os seios, maçãs de pecado.
Já era o suficiente.
Saiu e encostou o corpo exalando desejo. Deixou suas vítimas virem em direção ao matadouro.
Que patético. Não faltavam escolhas.
Fez um uni-duni-tê mental, caiu no mané barbado, camisa azul listrada.
Vestiu o melhor sorriso, calçou o melhor rebolado, e foi.
Os lábios carnudos proferiram um oi inesquecível. Mas, surpresa: ela esperava o homem com cara de desejo, pronto para uma noite de sexo sujo e violento, com a aura voltada para o carnal... Nada além disso.
Só que ele gaguejou. Ficou nervoso. Suou. Estava desconfortável.
Na verdade, estava apaixonado.
Ela sorriu. Em poucos instantes, gargalhava.
Nem precisou sujar as mãos para pegar o coração dele.
A noite ia ser longa e muito divertida.
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