faleceu hoje, em um dia sem sol, sem chuva, sem calor, nem frio, o amor.
filho da pureza (in memoriam) com o pecado, não há uma hora precisa nem causa específica para sua morte.
em seu enterro, milhares de fiéis acumularam-se em filas para lhe dar o último adeus. esse personagem acreditava em um utópico mundo melhor – daí a legião fervorosa que seguia seus princípios e bradava aos sete mares as glórias que o amor poderia promover na vida das pessoas.
sua qualidade mais destacada era a perseverança. apesar das provas constantes que o velho mundo dava de ser um local nada amistoso para quem pensava como o amor, esse revolucionário respirou até o último minuto seu ideal.
polêmico, o amor colecionava sabores e dissabores por onde passava. Com o tempo, fãs tornavam-se desafetos; seguidores passavam a ser opositores; simpatizantes abandonavam a causa. contudo, articulado e com grande poder de convencimento, para cada soldado que perdia, ganhava dois novos recrutas.
não à toa, sem ele, grandes líderes, como o respeito, e grandes inimigos, como a indiferença, ficam sem horizonte.
alguns acusam o amor de iniciar um neonazismo no planeta: por meio de lavagem cerebral, ele reunia voluntários dispostos a dar a vida por uma utopia difundida por esse idealista – mecânico de profissão. outros, porém, consideram o movimento dentro da chamada democracia dos sentimentos – já que havia tanto espaço para a ignorância e para a intolerância, por que o amor não poderia reivindicar um lugar ao sol?
nessa gangorra de opiniões discrepantes, os governos dos continentes ainda não decidiram se promoverão o amor a mártir, rebelde, deus ou procurado pelo fbi – reunidos há cinco horas, eles não chegam a um consenso. o povo ganha as ruas, cada qual com sua opinião, e o exército já foi chamado para garantir ordem às manifestações.
independentemente de quaisquer decisões, é consenso de que o amor é personagem único na história até hoje. apesar de seu vício em corações puros (uns dizem que a causa da morte seria até por overdose), tinha a força dos grandes líderes, o carisma dos maiores vencedores e o apoio das massas.
tudo isso, porém, não foi suficiente para a vitória plena. recentemente, colecionava mais e mais derrotas em sua caminhada, que minavam, a conta-gotas, seu bem-estar. não era segredo que sua saúde estava debilitada há algum tempo, mas sua doença nunca foi revelada – nem mesmo por paixão e tentação, irmãs mais novas e braços direito e esquerdo do líder.
foi encontrado morto no jardim de sua casa, deitado na relva, como se estivesse a descansar. talvez fosse a hora mesmo.
se vai deixar saudade, nem mesmo o tempo, seu melhor amigo, ousa dizer.
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