Literatura é destaque em Encontro Internacional sobre Genocídio em Buenos Aires
“O universo é um grande livro”.
Lin Yutang
Escritor chinês
(1895/1976)
2007 já se foi, mas eu gostaria de registrar, neste espaço, um dos momentos mais importantes que o generoso ano passado proporcionou à minha carreira de escritor e investigador histórico e também à humanidade. Estava em Buenos Aires para participar do Segundo Encontro Internacional - Análises das Práticas Sociais Genocidas. Fui com a equipe de pesquisadores do LEER – Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação, ligado ao Departamento de História da Universidade de São Paulo.
Liderado por Maria Luiza Tucci Carneiro, doutora em História pela USP e coordenadora do LEER, nosso grupo fez bonito, entre os especialistas estrangeiros, durante os três dias do Congresso promovido pela Universidade Federal Três de Fevereiro.
As autoridades internacionais mais importantes envolvidas com este tema estiveram em Buenos Aires.
Foi muito bom ouvi-las sobre os trabalhos que estão sendo desenvolvidos em todo o mundo para a prevenção e combate às práticas genocidas, como também para a punição dos que promovem e dos que são cúmplices deste tipo de crime.
Discutiram-se formas de acelerar o processo de punição dos criminosos. Adam Jones, professor da Universidade de British Columbia, no Canadá, disse que já existem pesquisadores americanos que usam fotografias feitas por satélite para estudar casos de genocídio.
Mas o encontro focou principalmente os três casos clássicos: o Holocausto Judio, os genocídios praticados na Armênia (considerado o primeiro genocídio do século 20) e o caso de Luanda.
Dr. Gianni Tognoni, médico investigador do Tribunal Permanente de Los Pueblos – criado em 1979 em Bolonha, que tem raízes nas análises dos fatos que ocorreram durante as ditaduras (torturas, repressões) na América Latina -, disse que nesses 30 anos de existência do Tribunal foram analisados mais de 30 casos de povos que vivem momentos de repressão. A Argentina foi um dos primeiros casos estudados.
Adam Jones reforçou que genocídio e guerra têm pontos diferentes, que não devem ser tratados pelas autoridades da mesma forma. Adam também lembrou que tão perigoso quanto o genocídio é o genocídio cultural. A destruição cultural, segundo o especialista, é mais forte que a matança de seres humanos. Segundo ele, também é possível matar sem tirar vidas humanas. Adam também falou em generocídio, e lembrou que há outras formas de matar, como as sanções políticas, a pobreza, a Aids, a negligência, etc.
Para todos nós pesquisadores, acredito que o mais importante foi a troca de experiências e de informações. Os debates e as palestras foram enriquecedores em todos os sentidos.
Muhamed Mesic, jovem pesquisador do Instituto Internacional de Pesquisas dos Crimes contra a Humanidade da Universidade de Sarajevo, Bósnia-Herzegovina, falou sobre A Cara do Vizinho: coexistência, legalidade e justiça social na Bósnia pós-genocídio.
NO congresso de Buenos Aires também foi lançado o primeiro número da Revista de Estudos sobre Genocídio editada pelo Centro de Estudos sobre Genocídio da Universidade Federal Três de Fevereiro de Buenos Aires, Argentina. A revista será semestral e, além de mostrar que a América Latina também pensa sobre o tema, tem outros dois objetivos: marcar o Holocausto como paradigma dos genocídios e analisar comparativamente as representações e prevenções. A revista esta aberta às publicações de investigadores de todo o mundo.
Durante minha apresentação, em espanhol, fiz um resumo do meu trabalho de investigação histórica que levou ao livro A Travessia da Terra Vermelha – Uma saga dos refugiados judeus no Brasil.
Destaquei os fatos mais importantes, as fotografias, os documentos inéditos que descobri durante meus quatro anos de trabalho no Brasil e na Alemanha. Reforcei que durante a escrita do romance histórico persegui a idéia de que a literatura supera a ciência e a filosofia no entendimento de verdades cada vez mais “provisórias”, porque só a literatura e a poesia permitem que cheguemos ao estado mais puro da subjetividade. E para chegar à verdade é preciso desvendar o mundo subjetivo. Não por acaso até os físicos estão buscando respostas para as suas perguntas mais misteriosas na Poesia.
Ao conhecer meu livro, o professor da Universidade de Sarajevo, Muhamed Mesic, pediu-me autorização para publicar dois ou três capítulos traduzidos para o idioma servo-croata numa revista editada pela Universidade de Sarajevo.
Os pesquisadores do Centro de Estudos sobre Genocídio da Universidade Federal Três de Fevereiro de Buenos Aires também me deram a honra de ter meu livro entre as obras do acervo literário da biblioteca daquela universidade portenha.
Outros estudiosos também destacaram a literatura como meio de denúncia e prevenção das práticas genocidas.
A professora argentina de filosofia do direito da Faculdade de Ciências Jurídicas ,Universidad del Salvador, Ana Arzoumanian, apresentou o trabalho O corpo da Língua , a Poesia como resistência às práticas genocidas.
Perla Sneh, investigadora do Centro de Estudos sobre Genocídio da Universidade Três de Fevereiro, encerrou o seu discurso sobre a importância da literatura como ferramenta para o aprofundamento dos estudos ali apresentados citando o que restou de um poema encontrado em ídiche entre os documentos dos judeus mortos no Holocausto:
“ A natureza é eterna, morrer é temporário”.
Lucius de Mello é escritor e jornalista, foi finalista do Prêmio Jabuti 2003 na categoria reportagem/biografia com o livro Eny e o Grande Bordel Brasileiro – editora Objetiva. Pesquisador do LEER - Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação - do Departamento de História da USP, lança em junho A TRAVESSIA DA TERRA VERMELHA - romance histórico que conta a saga dos judeus alemães que se refugiaram no norte do Paraná para escapar do nazismo.
E-mail: luciusdemello@uol.com.br