São oito os países lusófonos. A maioria deles ainda consegue se comunicar sem intérpretes, mas na escrita… ah, na escrita… como divergem! Mesmo assim, alguns autores do país da língua original não permitem que sua obra tenha vocabulário e ortografia adaptados quando é publicada nos outros sete países lusófonos. Defendem a idéia de que a língua é a mesma e as eventuais divergências ortográficas e semânticas são um reflexo das diferenças culturais, importantes no universo literário, e ninguém vai morrer se tiver que consultar o dicionário meia dúzia de vezes, ou mais, durante a leitura.
Já outros autores não se importam de serem adaptados aos leitores dos outros países irmãos. Para eles, o importante é que sua obra seja amplamente compreendida pelos leitores e, se para isso é preciso acentuar ou não palavras de maneira diversa da de seu país, que venham ou saiam os acentos, pois. Dizem que a vida de todos seria bem mais fácil se nas transações políticas e comerciais - aí incluidíssimo o mundo editorial – houvesse uma grafia única para o idioma comum a eles. Para reforçar seus argumentos, alegam que crianças de Angola e de Moçambique, por exemplo, não entendem a grafia dos livros do Brasil.
Falado em três continentes, em situações diferentes sob vários aspectos, já se esperava que a unificação do português fosse, senão impossível, bastante difícil. Mas tudo pelo entendimento! Para tentar uma solução ao impasse e desfazer a idéia de que o idioma comum se transformou em pomo de discórdia, lá se foram Portugal, Brasil, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor Leste em busca do entendimento lingüístico. Entre tapas e beijos, levaram décadas para chegar a algumas modificações, vários acordos foram celebrados, mas passou-se quase uma eternidade até que os oito países assinassem um acordo quase definitivo e consensual.
Quando finalmente é rascunhado o quarto e mais recente acordo num período de quase 100 anos desde a primeira reforma, em 1911, esta não extensiva ao Brasil, ele não satisfaz nem a gregos nem a troianos, estes reclamando que aqueles agem como se proprietários da língua fossem, que por sua vez respondem que os outros é que estão reclamando de barriga cheia.
O ruído é tão alto, que não percebem que, a despeito de mudanças nos sinais externos da escrita, fala-se o português do jeito que pedem o sol ou a falta dele, a chuva ou a seca, o temperamento alegre ou melancólico, tudo esculpido pela geografia e por fatores peculiares a cada país que inspiram seus costumes e sua maneira de levar e ver a vida. Não vêem que diferente não é errado, que o digam a mandioca, o aipim e a macaxeira. Brincam os miúdos por lá e as crianças por aqui; os desportos de lá emocionam tanto quanto os esportes por aqui; enquanto os de lá “estão a degustar” um bacalhau com um tinto alentejano, por aqui “estão comendo” bolinhos de bacalhau com chope gelado. E todos se divertem.
Agora que mais um acordo ortográfico entra em cena, seria bom celebrarmos as diferenças que não matam ninguém, ao contrário, só enriquecem, e apararmos arestas e vaidades que, estas sim, complicam a comunicação entre países que um dia se consideraram irmãos.
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