O que se viu no último 21 de maio, na final da Liga dos Campeões da Europa, em Moscou, entre os ingleses Chelsea e Manchester United, foi um show. Caras, bocas e firulas focadas por dezenas de câmeras. A metalinguagem é tanta que o telão do estádio reproduzia o mesmo que o resto do mundo via pela TV. Eu via o astro Cristiano Ronaldo olhar-se no telão a cada lance. É um marketing-boy de primeira. Justificando seu rostinho de galã mexicano, passeou da glória ao drama (e de volta à glória) no épico espetáculo do badalado futebol europeu.
A perfeição do evento era tanta que mais parecia uma longa partida de Playstation. Gramado impecável (mesmo colocado na véspera, agüentou a chuva), casa cheia, uniformes limpos (sem patrocínios no calção, na manga...). Os craques, aos montes. Os magnatas que mantêm os dois clubes compraram o que há de melhor na praça: Tevez, Cristiano Ronaldo, Drogba, Ballack. O lado B, claro, fica de fora. Não se sente o bafo dos torcedores bêbados, que certamente deram trabalho à polícia russa. Muito menos o fedor do charuto dos cartolas engravatos e bem-acomodados nas tribunas.
Claro que houve suor. A bola rolou de verdade. Terry, capitão do Chelsea, chorou como um bebê ao jogar fora o título inédito dos londrinos. E devolveu a Cristiano Ronaldo, que havia perdido seu pênalti, o sorriso no rosto, mesmo que agora amarelo.
O "puto" (como é chamado pelos portugueses), como disse, fica com um olho na bola e outro no telão. Prevê cada movimento. Inventou sua própria pose para cobrar falta para ser copiado no videogame. Bateu pênalti com paradinha, para amplificar a já fadada conquista de melhor jogador do mundo - e errou. Graças ao colega Van der Sar, pôde puxar a fila dos jogadores para receber a medalha e posar ao lado da lenda Bob Charlton. Mas só o travesseiro dele vai conhecer a sincera vergonha que passou.
Essa confusão entre realidade e ficção que o espetáculo televisivo provoca no esporte é objeto de estudo dos educadores físicos - há inclusive o um grupo de trabalho de Comunicação e Mídia do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. O professor Mauro Betti, doutor em Filosofia da Educação e professor do departamento de Educação Física da Unesp de Bauru, bem define o que chama de esporte telespetáculo, em seu livro "A Janela de Vidro", citando Melo de Carvalho (1985): "A repetição obsessiva dos lances mais violentos ou espetaculares, o fanatismo da torcida, a euforia da vitória etc. Isso facilita muito a comercialização do esporte, pois permite a ênfase em tudo o que mais interessa a investidores, e produz uma visão artificial do esporte em combinação com uma linguagem 'guerreira', amplificando o falso drama que se vive no campo e nas quadras".
Enquanto isso, a Rede Globo pechincha o valor dos direitos de transmissão do futebol brasileiro, já que a audiência está bem abaixo do que se espera no "país do futebol". Só não olhou para seu umbigo platinado: ainda não aprendeu a explorar esse falso drama que brota do jogo, tão bem gerado a partir de Moscou.
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