Às vezes me dá vontade de sair pela minha cidade procurando certos encantos especiais que aos poucos foram desaparecendo da vida urbana, tragados pela tecnologia ou pela falta de desejo de que eles ainda existam.
Me refiro, por exemplo, à “vaca leiteira”, o caminhãozinho que vendia leite pelas ruas nos meus tempos de criança no Jardim Botânico, lá pelos anos 50. Ele estacionava na nossa rua e se anunciava com uma buzina que imitava o mugido de vaca. Depressa, gente, chegou a vaca leiteira! Quem quisesse leite, entrava na fila com sua latinha de alumínio com tampa de lacre ou a garrafa de vidro e esperava sua vez de receber o leite espumante que saía da “teta” da vaca, na lateral do caminhãozinho. Uma festa! Cadê a vaquinha motorizada? Será que pelo menos no interior ela ainda existe? No meu interior, dentro do coração, certamente existe.
E o telecoteco? Bom, não sei o nome oficial daquele pedaço de madeira enlaçada na mão do ambulante e com uma alça de ferro do outro lado, que ele balançava, e o barulho seco de “telecoteco” anunciava os biscoitos cilíndricos de casquinha fina, mas era assim que nós, as crianças, o chamávamos. Os biscoitos se desmanchavam na boca, de tão macia a tal casquinha, mais que os carioquíssimos biscoitos de polvilho das nossas praias. O vendedor os carregava nas costas dentro de um cilindro de alumínio cuja alça ele passava pelo ombro. Corríamos para comprar, já antegozando aquela maciez doce se desmanchando na boca. Cadê você, telecoteco?
E o realejo? Será que em algum recanto desta cidade alguma criança ainda se extasia com os acordes do realejo, equilibrado num suporte de madeira, como uma perna de pau? Lá no meu bairro eles vinham carregados por um ambulante acompanhado de um macaquinho ou um periquito. Quem pagasse tinha direito a um cartão que o macaquinho retirava de uma gaveta cheia deles ou o periquito apanhava um com seu bico. Depois de ler a sorte, devolvíamos o cartão para a gaveta, já sabendo o que a sorte nos tinha reservado para aquele dia. Pobres macaquinhos e periquitos, funcionários não assalariados, trabalhando para fazer jus às suas refeições. Também sumiram da cidade. E com eles, o som inesquecível do realejo.
Se um dia esses encantos vão voltar, não sei, mas provavelmente não. Ninguém mais tem tempo de fazer fila ao lado da vaca leiteira motorizada, de chamar o homem do telecoteco pra comprar os efêmeros cilindros doces, e muito menos para parar a correria diária e ouvir a melancólica melodia de um velho realejo. Tão velho como as minhas lembranças, mas sempre renovadas quando bate a saudade e me lembro de todos esses encantos que a cidade grande acabou mandando embora.
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