Entrou um inseto no meu ouvido direito. Não que faça muita diferença ter sido no direito ou no esquerdo, mas estou sendo fiel aos fatos. Ele entrou no ouvido direito, e lá se encontra até hoje. Tem mais de duas semanas que isso aconteceu e a essas horas ele já deve estar morto. Porque se ainda estivesse vivo, pelo menos daria para ouvir seu zumbido de desespero ou seu movimento, cócegas, enfim, vida. E não sinto nada.
Eu estava quase dormindo, com o lado esquerdo do rosto encostado no travesseiro – portanto com o direito a descoberto – quando ouvi um zumbido muito próximo. Instintivamente fiz o gesto natural de espantar o inseto com a mão direita, e o zumbido tornou-se mais forte, provavelmente porque ele se aproximou da orelha direita para fugir do meu tapa. E foi aí que eu senti, concretamente, que ele estava na minha orelha. Espantei-o outra vez e deu no que deu. Ele entrou direto. Nessas alturas o sono já tinha ido pra cucuia, seja lá o que isso queira dizer. Levantei-me com cócegas na orelha e corri para providenciar álcool, pensando que com o cheiro forte o mosquito sairia tonto, mas sairia. Engano meu. No que espremi o algodão encharcado de álcool dentro do ouvido senti uma ligeira cócega e só. Depois disso, mais nenhum sinal de vida no local.
Marquei hora no otorrino para que ele examine o local mais detalhadamente. Não posso dizer que sinto dor ou algo parecido. Nem incômodo chega a ser. Mas minha audição do lado direito está sem dúvida obumbrada, meio opaca. Sinto desse lado um peso diferente do normal. E não me refiro ao peso do mosquito, isso não. O peso é geral, localizado no meu lado direito da percepção de sons. Pode não ser o corpo dele, que já deve ter se desmaterializado dentro do meu ouvido ou do meu cérebro, mas a estranha sensação de uma companhia diuturna certamente é conseqüência de sua permanência dentro de mim durante todo esse tempo.
Só tenho medo que ele seja ela, que estivesse prenha na hora do acidente e meio desnorteada em conseqüência de seu estado. Vai que morreu, os filhotes nasceram durante sua agonia etílica, se adaptaram ao novo ambiente e se encaminharam para meu cérebro, onde estão se reproduzindo. Preciso avisar ao médico que também examine o estranho som que às vezes emito quando falo. Não posso afirmar, mas o som arranhado e muito agudo pouco se assemelha à maneira como eu falava antes da chegada de meu hóspede.
E-mail: anaflores.rj@terra.com.br « voltar