Obrigada, poeta


Às vezes acontece. Você precisa desabafar, conversar, trocar umas figurinhas, e aqueles que estão sempre presentes pro que der e vier não estão disponíveis naquele exato momento, por uma razão qualquer. Numa dessas vezes, apelei para ele. Que está sempre lá, sentado no mesmo banco da praia de Copacabana, de pernas cruzadas, um livro no colo e aquele ar meio sério, meio pensativo, como esperando que alguém se sente a seu lado. E foi o que eu fiz. Sentei-me ali, pus meu braço no ombro dele e comecei a conversar. Só não digo que comecei a “nossa” conversa, porque falei muito mais do que ele, que só ouvia, e às vezes – juro! – esboçava um sorrisinho complacente.

Pois é, poeta. Acho que estou me alienando. Assumo que me avestruzei de vez. Há muito parei de ler os primeiros cadernos dos jornais, há alguns anos não vejo mais aquele telejornal famoso e deixo que as notícias cheguem a mim pelo rádio, diluídas em entrevistas e comentários. A alma eu alimento com literatura, música e informando-me sobre cinema, exposições, teatro e balé. É tão mais gratificante, poeta. Ora, imagina se você não sabe disso... (nessa hora ele deu um ligeiríssimo sorriso, tão leve, que ali em volta só eu percebi). O fato é que eu estava terminando a leitura dos jornais tão preocupada e revoltada, que a saúde começou a reclamar. Pode isso, poeta? É normal alguém sentir taquicardia depois de ler as notícias do dia? Se pelo menos o coração disparasse por paixão, seria até gostoso. Mas por desespero e impotência...?

A tal da minha avestruzação não é uma escolha lá muito coerente para alguém que sempre leu e se informou, que gostava de acompanhar as notícias, conversar sobre elas com as filhas, os alunos e os amigos. Mas sabe o que é, poeta? Não estava mais dando pra ler sobre idosos morrendo todo dia em filas de hospitais públicos, sobre cidadãos nem um pouco confiáveis conseguindo habeas-corpus como alface em hora de xepa para se safar das responsabilidades, sobre desastres no meio ambiente, evitáveis e sempre repetidos porque não dão em nada e vão continuar acontecendo, e tantos outros fatos igualmente revoltantes. Acredita que até o dinheiro oficial da merenda escolar volta e meia financia sentenças de juízes, viagens e piscinas particulares? Ler isso todo dia não deu pra segurar. Você seguraria, poeta? (Dessa vez ele não moveu um só músculo. Parecia ainda mais mergulhado em seus pensamentos).

Mas eu continuei. Afinal, eu estava ali pra conversar ou pra ver navios? É, poeta, sempre acreditei que pelo voto se podem mudar as coisas. Mas nem nisso mais eu acredito. Será que sou a responsável indireta por tudo o que acontece porque votei errado a vida toda? E quem acha que votou diferente, está satisfeito? Então onde está o erro? Muitas perguntas, não é? O pior - ou o melhor, não sei - é que pra essas e muitíssimas outras ainda não tenho respostas. Por isso vim hoje aqui te visitar e alugar sua atenção. E você que pensou que aqui no banco da praia ficaria em paz, hein? Tolinho...

Mas já foi bom esse desabafo, poeta. Nunca imaginei que um dia nós conversaríamos assim, tão à vontade e em plena Princesinha do Mar. E já que hoje aconteceu esse milagre, quem sabe se eu, que nunca mais me imaginei participando da vida política do país, também consiga encontrar uma maneira de transformar a impotência e a indignação em ações úteis, sem intermediários. Tudo é possível nessas alturas. Obrigada por sua generosidade em ouvir pessoas meio desesperançadas no seu banco de praia. Até a volta.

E-mail: anaflores.rj@terra.com.br

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