O novo prefeito de Beiradinha sentou-se na cadeira estofada e olhou através da janela. Lá fora, os cidadãos andavam de um lado para outro, à procura de seu destino. "A partir de hoje, eu os governo", pensou consigo mesmo o alcaide recém-eleito.
Alguns minutos depois, o secretário de economia e o vereador, líder de governo na câmara municipal, sentaram-se à frente do prefeito.
- Nosso orçamento anual é de trocentos milhões, disse o secretário.
- Isto é ótimo, dá para eu realizar meu plano de governo e pagar os funcionários, ressaltou o prefeito.
- Mas, senhor, nós ainda não negociamos nossa maioria na câmara, lembrou o vereador.
- O que isso tem a ver? (o prefeito)
- Para conseguirmos maioria na câmara, precisamos cooptar mais quatro vereadores. E isto significa...Isto quer dizer...Parte do orçamento vai para obras nas bases destes parlamentares. Só assim, passarão para nosso lado e votarão sempre com a gente.
- Meu Deus! No meu programa de rádio eu sempre desci o cacete nestas transações nebulosas. E agora estou dentro de uma. (o prefeito)
Uma semana depois o vereador líder volta ao gabinete do prefeito.
- Negócio fechado. Consegui seduzir cinco vereadores. Agora temos bancada mais que suficiente para aprovar qualquer projeto.
- O que eles querem? (prefeito)
- Temos de construir este ano um galinheiro municipal na Vila das Espigas, reduto do vereador um, uma estradinha ligando a fazenda do vereador 2 ao sítio da vereadora 3 (deve haver algo entre eles), consertar a ponte sobre o rio Dorminhoco, no Jardim das Serpentinas, onde mora o quarto vereador. Já o quinto, quer a visita quinzenal de um médico da prefeitura à Casa da Iraci, na Estrada dos Prazeres, para verificar a saúde das meninas que trabalham lá. Estes nobres parlamentares foram eleitos em cima destas promessas. O secretário de economia me disse que tudo isto irá representar cerca de 63% do orçamento da prefeitura para este ano.
- Como é que é? (o prefeito irado). É muito dinheiro. O que sobra só dá para pagar o funcionalismo e mais algumas obrinhas por aí. Deste jeito não posso investir, não posso cumprir minha plataforma de governo, não dá para priorizar nada. No meu programa de rádio, eu sempre critiquei os outros prefeitos por não investir, não priorizar...
- Senhor prefeito. É pegar ou largar. Sem a colaboração destes vereadores, não teremos maioria e o senhor não conseguirá governar.
- Nunca imaginei que fosse assim. No meu programa de rádio...
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