Viagem

Encontrei espaço numa curva do saguão e me sentei no chão, perto da loja de café. Naquelas alturas, o aeroporto Antonio Carlos Jobim não oferecia muito mais conforto do que isso para quem fosse pernoitar por ali. No meu cantinho improvisado já me sentia num razoável bed and breakfast, dada a proximidade da máquina de capuccino e dos pãezinhos de queijo para quando eu acordasse. Eu estava sozinha, esperava a chamada para meu embarque, adiado em muitas horas, e observar meus companheiros daquele albergue improvisado passou a ser uma distração, pois já devorara boa parte do livro que levava na bolsa “para ler na viagem”.

Notei que no meio da multidão que se espalhava pelo saguão e das perguntas sem respostas aos passageiros desesperados, ele permanecia calado na sua cadeira, às vezes lendo um jornal, às vezes baixando a cabeça como que num cochilo, mas não se movia muito mais do que isso. Numa das vezes em que levantou a cabeça e olhou em volta, sorri para ele, que sorriu de volta e, para minha surpresa, levantou-se de sua cadeira e veio caminhando em minha direção. Agachou-se para ficar na minha altura e perguntou se eu tinha um cigarro, a tabacaria estava fechada e os dele tinham terminado na longa espera. Eu não tinha, ofereci pastilhas de hortelã, que ele aceitou imediatamente e se sentou no chão ao meu lado.

Contou-me que estava indo para Roma e que ficaria por lá um bom tempo, mas que ainda não sabia se queria mesmo ir. Não disse o que faria em Roma e não parecia à vontade em falar sobre isso. Contei-lhe que eu ia a Casablanca, procurar o Ricky´s Bar, onde, com um pouco de sorte, eu entraria no exato momento em que os fregueses, liderados por Victor Lazlo, estariam cantando La Marseillaise; e, pela centésima vez, eu choraria de emoção diante da cena. Ele riu da minha fantasia e então me dei conta de que nunca tinha visto olhos tão tristes num sorriso tão bonito. Pressenti nele um desalento que combinava bem com a tristeza dos olhos. Falei-lhe, então, de um lugar onde poderíamos nos sentir no paraíso. Ele me agradeceu com o mesmo sorriso, nos levantamos e partimos.

Ele, em direção ao banheiro masculino, onde deixaria para sempre a incômoda e escura batina e a trocaria por uma roupa menos pesada. Eu, em direção ao balcão do café, onde em poucos minutos ele e eu começaríamos a planejar a ida ao nosso Ricky´s Bar.

E-mail: anaflores.rj@terra.com.br

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