É por essas e outras que tenho horror a modismo. Quando surge um, mesmo quem não tem a menor afinidade com ele, se deixa levar e adota-o para não ficar de fora da onda. Aliás, é justamente sobre ondas, mas do mar, que quero pôr a boca no trombone.
Ouvi no rádio que estão relançando a modalidade de “pegar jacaré” nas praias do Rio, e que esta modalidade não deve ser confundida com “surfe sem prancha”. Para minha surpresa, estão definindo o “surfe sem prancha” como o verdadeiro nome do autêntico jacaré da minha infância, alegando que o “jacaré” era feito com uma tábua nas mãos.
Nas mãos de quem, cara-pálida? Garanto que quem inventou essa definição não frequentava o Arpoador nos anos 1950 e 1960, quando nós, a garotada daquela época, descíamos as ondas de peito aberto, só com o corpo deslizando nas ondas e batendo os pés. Ah, também pegávamos jacaré de costas, e ainda dávamos aquela voltinha de arremate no final, quando chegávamos na areia. Isso era pegar jacaré, forasteiros. E não podia ser chamado de surfe sem prancha simplesmente porque prancha era coisa que então só existia no Havaí.
No tempo em que a Avenida Francisco Bhering, no Arpoador, não era exclusiva dos carros de moradores, minha mãe estacionava nosso Dodge 49 no Posto 7 e o salva-vidas já vinha ajudá-la a desembarcar crianças, babá, barraca e boia de pneu, nas quais às vezes passávamos da última pedra do Arpoador. Mais tarde, já crescidinhos, começamos a descer nas ondas na autêntica modalidade de jacaré. Sem nada nas mãos!
Não gostei nem um pouco dessa apropriação indébita do jacará da minha infância e adolescência. Surfe sem prancha pode ser mais bonito e moderno de se dizer, mas não traduz nem de longe aquela sensação insubstituível no meio das ondas, no tempo em que parafina, prancha de fibra de vidro e outros apetrechos de surfistas só seriam usados pela geração seguinte, e olhe lá. Quero meu jacaré de volta a seu lugar!
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