Abro o celular e lá está o aviso de 4 chamadas perdidas. Provavelmente amigos que me procuraram para conversar ou simplesmente dizer que estão vivos e querendo me ouvir. Ou o funcionário de uma telefônica, provavelmente querendo me mostrar as maravilhas da empresa que ele representa e de como eu seria muito mais feliz se mudasse minha conta para ela. Não importa. Foram chamadas perdidas e não ouvi os amigos… mas escapei da propaganda.
Na mesma hora, chego em casa e estranho que a obra do fim da rua ainda esteja em atividade, pois dá pra ouvir o barulho alto e seco das pedras sendo cortadas e passando pelos tubos que as levam para baixo. E eu acredito mesmo que o tal barulho seco é das pedras. Tolinha... São, isso sim, tiros variados de fuzis, escopetas e espingardas, mais o ruído do helicóptero da polícia sobrevoando meu prédio porque a tal obra do fim da rua foi apenas uma etapa da fuga de marginais vindo de uma favela de Copacabana e alcançando minha rua pela reserva florestal (ainda!) do morro dali. E então ouço pelo rádio que alguns traficantes foram mortos e outros presos, mas ainda restaram alguns fugitivos escondidos no mato, depois de muito tiroteio e de algumas balas perdidas.
Eu disse perdidas? E as pessoas que desciam ou subiam minha ladeira na hora do vamos-ver? E as que estavam em casa e viram balas entrando por suas janelas, três ou quatro ruas adiante da minha? De perdidas essas balas não tinham nada, foram encontradas bem ali, no seu muro, na sua parede e no corpo de alguém que passava despreocupado e que pôde constatar ao vivo a balela das “balas perdidas”.
E aí vejo que as tais chamadas no meu celular eram de amigos ou da família, depois de ouvirem que a cena de faroeste largamente noticiada nos telejornais, dessa vez teve a minha rua como cenário, e deviam estar preocupados com a minha segurança. Isso é que é bom. Então não foram chamadas perdidas. Me alcançaram por outras vias que não o telefone, chegaram a mim pelos fios do carinho. Pessoas muito queridas que se preocupam com amigos, com a segurança e o bem-estar deles no meio de tanta bala supostamente perdida, já que os donos do pedaço, os administradores (?) da cidade e do estado, esses sim, estão perdidinhos da silva. Fazer o quê? Com seus palácios e carros blindados não há bala que os encontre, eles podem se dar ao luxo de ficar alheios às tarefas de cuidar de seus territórios. Os traficantes e a polícia que se entendam. Ou não.
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