Quando eu penso que o Pato Donald completa 75 anos este mês, é como se o passado zombasse de mim:
- E então, você não desejava o futuro? – grita-me lá de trás, mal conseguindo pronunciar as últimas sílabas, já quase encobertas pelo sorriso sarcástico.
Não sou afeito, como muita gente, a resmungos pelos cantos sobre as crueldades do presente. Vejo o ser humano mais evoluído em muitos aspectos. Claro, isso não significa estarmos livres de tantos erros que ainda cometemos. Mas não dá para dizer que o passado era melhor, embora concorde que a humanidade perdeu muitas coisas boas pelo caminho.
Nem por isso, contudo, o passado se convence:
- Ah! Ah! Ah!... Quer que eu relembre tudo o que era bom? – insinua-se, aproximando-se alguns passos no tempo e detendo-se no limite onde o presente o ofusca.
Sim, houve muitas felicidades, sem dúvida. Mas elas estão guardadas num arquivo precioso. Talvez revivê-las possa comprometer seu teor, algo como manchá-las, sujá-las. Hoje, meu caro passado, não sou mais o garoto que você conheceu. As transformações pegaram-me desprevenido. Aliás, acho que poucos fogem à regra: a metamorfose do futuro em presente nos pega sempre desprevenidos.
Enfim, o passado mantém-se quieto por alguns instantes. Pensativo, apenas balbucia:
- Você é que sabe...
Se não me engano, o Pato Donald ainda vive às turras com Tio Patinhas e não sabe como conduzir a paixão pela Margarida. São velhas incertezas que o marcam através de gerações, mantendo-o intacto às conseqüências do futuro (tudo bem, talvez ele tenha feito muitas plásticas ou encontrado um frasco perdido cheio de um líquido mágico de juventude). De minha parte, nem uma coisa nem outra. Meu passo, que um dia fora mais longo na busca do desconhecido, hoje ganha proporções adequadas às minhas expectativas: procuro manter-me em direção ao futuro, mas sem pressa de encontrá-lo a toda hora, e evito distanciar-me excessivamente dos meus arquivos. É este o presente que me dou.
E o passado, vencendo a surpresa, esboça um sorriso amarelado pelo tempo.
Tags: Passado, Pato Donald