Estação

Eu tenho uma forte queda pelo outono. Acho até que é minha estação predileta. Seu charme visual é flagrante. Toda semana viajo de carro centenas de quilômetros a trabalho. E nada mais agradável na estrada do que observar a natureza num estado ameno. No verão, o sol chega a cegar. No inverno, é uma tremenda judiação olhar para as pastagens e plantações ressequidas. A primavera é, pra mim, excessivamente submissa ao verão, ao qual eu não sou muito chegado. Já o outono é de um equilíbrio grandioso.

É magnífico olhar o capim se deitando ao vento e todos os verdes refletirem por um momento o brilho do sol coado pelas nuvens tingidas de cinza escuro. A impressão é de uma orquestra sob a batuta de um ser invisível, real ou imaginário, que chamamos Deus. As grandes e insinuantes sombras desenhadas na paisagem e penetradas pelos cavalos que galopam livremente são suas mudas palavras.

Drama

Sobre as tragédias provocadas pelas chuvas em Santa Catarina em 2008, escrevi na época aqui no site o seguinte:

“... Sem dar voltas, é isto: a blasfêmia ambiental do homem cuspida de volta pela natureza. Não vejo como respeitar sujeitos que se travestem de poder público e, ao longo do tempo, das décadas ou dos séculos, agem com tamanha irresponsabilidade. Ou alguém vai aceitar os farrapos de desculpas emolduradas em ares de surpresa? Sim, senhores. E senhoras. Eis aí o sinal vermelho. Onde estão as figuras que, no poder, deixaram de planejar nossas áreas urbanas e as ocupações rurais? Eu os acuso. Eu os condeno. Mas sei que eles não se consideram acusados nem condenados e estão ocupados ludibriando lágrimas sinceras que jamais serão capazes de lavar a mácula do Itajaí.”

Por favor, troquem apenas “Itajaí” por “Rio”.

Nem tudo está perdido 1

O blog do Inácio Araújo deu a seguinte nota:

“Leituras
Ah, para completar: vejo na TV uma história interessante. Uma garota vai à nova biblioteca de SP (onde antes era o Carandiru), tira esse livro de vampiros que está na moda. Volta uma semana depois e tira “O Morro dos Ventos Uivantes”, que é mencionado no livro.”

“O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Brontë, é sem dúvida um dos grandes romances de todos os tempos. As irmãs Brontë, para quem não sabe, têm uma história fabulosa na literatura inglesa. Emily nasceu em 1818, na Inglaterra. Ela é filha de um reverendo e perdeu a mãe ainda muito criança, com menos de 3 anos de idade. Sua irmã Charlotte publicou em 1847 seu famoso romance: “Jane Eyre”. No mesmo ano, saiu “O Morro...”. A outra irmã, Anne, também teve grande sucesso com o livro “Agnes Grey”. Família genial! Mas não imune à tragédia: Emily morreu de tuberculose pouco tempo depois da publicação de seu romance sobre a paixão de Catherine e seu irmão adotivo, o cigano Heathcliff.

Eu acho extraordinários o ambiente sombrio e a aura misteriosa que abastecem o livro. Esses aspectos somados aos embates de instintos reprimidos e personalidades fortes dos personagens são fundamentais para transformar “O Morro...” numa obra-prima.

Minha cotação: visceral.

No cinema, Laurence Olivier foi o primeiro a interpretar Heathcliff, no filme de 1939. Aliás, essa versão, dirigida por William Wyler (o mesmo de “Ben-Hur”), foi indicada ao Oscar em oito categorias, mas levou apenas uma estatueta: melhor fotografia preto e branco. O azar foi ter como concorrente “E o vento levou” (13 indicações e oito prêmios). Em 1992, em nova versão, esta dirigida por Peter Kosminsky, Ralph Fiennes é o protagonista ao lado de Juliette Binoche, mas os críticos a consideram, com razão, apenas uma sombra da primeira..

E uma nova adaptação já está em andamento (não sei se já começaram a rodar). Não tem erro: quando a história é boa, é pra sempre.

Nem tudo está perdido 2

Às vezes, você encontra leitores de livros onde menos se espera. Numa noite dessas, num terminal rodoviário, ao validar meu cartão de estacionamento, deparei-me com a garota responsável pelo serviço lendo “Olhai os lírios do campo”. O romance, do excepcional Erico Verissimo, chegou ao público em 1938.

Em 1966, em uma das muitas edições, o próprio autor escreve o seguinte no prefácio:

"Com a publicação de Olhai os Lírios do Campo operou-se uma mudança considerável em minha vida. O romance obteve tão grande sucesso de livraria, que se esgotaram dele várias edições em poucos meses, deixando editores e escritor igualmente satisfeitos e perplexos. Tamanha foi a influência desse livro no espírito de certos leitores, que ele teve a força de arrastar consigo os romances que o autor publicara até então em tiragens modestas que levavam quase dois anos para se esgotarem. Posso afirmar que só depois do aparecimento de Olhai os Lírios do Campo é que pude fazer profissão da literatura."

O romance se passa em duas fases e narra o drama do médico Eugênio. De família pobre, ele se casa apenas para obter sua ascensão social. Mas sua vida torna-se vazia: não ama a mulher e tem um emprego de fachada na empresa do sogro. No início da trama, Eugênio segue para o hospital onde a mulher que ele ama (Olívia) está internada. É a partir de flashbacks que ele começa a revelar seu passado. Ambicioso e fútil na juventude, o protagonista viverá uma experiência transformadora.

A obra foi adaptada para a televisão. Novela com o mesmo título foi ao ar pela Globo em 1980. Cláudio Marzo foi Eugênio e Nívea Maria, Olívia.

Mulheres leitoras

Não tenho em mãos pesquisa sobre o assunto, mas me parece que as mulheres são leitoras mais assíduas de ficção do que os homens. Talvez esse seja um dos motivos que as fazem ser melhores do que nós, homens, brutos animais rudes. Como diz meu amigo Luiz Carlos Carvalho, “nós, homens, somos selvagens”. E é verdade.

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