A novelista Glória Perez está causando a maior polêmica porque hoje (acho que às 18h – no SBT, é difícil antecipar horário) o Ratinho deve apresentar uma entrevista com o ex-ator e hoje pastor evangélico Guilherme de Pádua, condenado pela morte da atriz Daniella Perez (filha de Glória) em 1992. Condenado a 19 anos de prisão. Mas saiu bem antes do prazo, como acontece com quase todo mundo que é condenado no Brasil.
Compreendam bem: não estou aqui insinuando que neste caso específico o condenado deveria ter ficado mais tempo na prisão. O que estou dizendo, agora claramente, é que: acho um absurdo que as leis brasileiras sejam tão frouxas e permitam aos condenados tantas possibilidades de reduzirem sua pena inicial.
Se o sujeito é condenado a um ano, ponto final. Cumpra um ano. Isso, claro, se não houver outro julgamento, se não descobrirem algum erro no processo etc e tal. Todo mundo sabe que em muitos casos, verdades ou atenuantes surgem depois da condenação. Mas simplesmente amenizar a pena por causa das brechas da lei eu não concordo.
A lei deveria ser mais rigorosa. Foi condenado a vinte anos: cumpra vinte anos. Guilherme de Pádua, por exemplo, foi condenado a 19 anos, mas se não me engano está em liberdade desde 2002, ou seja, quase uma década a menos do total imposto pelo tribunal. Aliás, quando o condenado cumpre um terço (!) da pena, já começam os benefícios. Como diz meu amigo Deda Benette, é uma farra.
Mas voltando à polêmica, eis aí uma boa discussão para jornalistas e estudantes de jornalismo: o espaço aberto pelos veículos de comunicação a criminosos, embora nesse caso, pela lei brasileira, Guilherme de Pádua já tenha acertado suas contas com a Justiça. É preciso que também sejamos justos com o cidadão. O cara é condenado, cumpre a pena (com base na lei frouxa do Brasil) e volta à vida social: é preciso respeitá-lo. Ele não tem culpa se a lei é uma farra.
De todo modo, a discussão, como se observa, dá muito pano pra manga, como diz minha mãe, 79 anos, rumo a oito décadas de generosidade e paciência com os filhos.
A polêmica
Bem, no final das contas, não traduzi em miúdos a polêmica lançada pela Glória Perez. Ela criticou no twitter a iniciativa do Ratinho ao dar espaço a Guilherme de Pádua. Ratinho se defendeu. Ele disse mais ou menos que procura colaborar para que crimes hediondos não sejam esquecidos pelas novas gerações. Mas a Glória não se conformou e se dirigiu assim ao Ratinho (tudo no twitter): "Que decepção! Eu apertei sua mão nos tempos em que você se indignava com assassinatos covardes!"
Está aí a controvérsia. Claro que há nessa discussão ingredientes que vão muito além da objetividade à qual o jornalismo procura apegar-se. Glória é mãe da atriz que foi assassinada. Guilherme é o condenado pelo assassinato. Não se pode exigir de uma mãe a isenção necessária para que esse tipo de situação possa ser analisado de modo frio e isento. Isso cabe aos que estão de fora. Por isso, eu disse no texto acima que está aí uma boa chance para que se discuta o espaço dado a criminosos, condenados, traficantes, assassinos confessos etc etc nos veículos de comunicação.
Agora a Manchete
A revista Manchete foi uma das primeiras que vi e manuseei. Eu ainda morava no sítio, quase às portas dos anos 1970, e minhas tias traziam da cidade a Manchete e também O Cruzeiro, esta ainda mais antiga. A Manchete surgiu na década de 1950. O Cruzeiro, em 1928. A Manchete parou de circular no ano 2000. O Cruzeiro, se não me engano, em 1975, 1976, por aí. Eu me lembro do cheiro de tinta ao folheá-las. Das fotos (eu não sabia ler – devia ter uns 5 ou 6 anos) e das cores. E ficava imaginando que mundo era aquele além da porteira de sete ou oito tábuas atravessadas que separavam o sítio e a estrada de terra que de vez em quando nos levava à cidade.
Sem segredo
O jornalista Thiago Roque, que colabora com este site, postou no twitter sua eufórica aprovação ao filme argentino “O segredo dos seus olhos”, vencedor do Oscar. Como está sediado em São Paulo, o Thiagão tem grandes opções culturais, entre elas ver um filme desse calibre. Nós, pobres mortais que passamos a maior parte do tempo no Interior, quase sempre ficamos a ver navios. O jeito é esperar, com alguma sorte, pela boa vontade das locadoras.
A verdade é que, fora eventos pontuais, o Interior é muito maltratado em termos de cultura. Claro que há cidades onde essa fase já foi vencida, mas eu me refiro ao Interior de modo geral. Os cinemas só trazem filmes comerciais e, mesmo assim, nem todos. Obras alternativas, nem pensar. O teatro é mercadoria rara ou, infelizmente, em extinção. Shows só de vez em quando. É dura a vida para quem quer cultura no Interior.
E o pior: o poder público vira as costas para o segmento. Projetos são engavetados à espera de dinheiro que nunca sobra. Artistas são desprezados em nome de outras prioridades. O incentivo à formação de talentos não está nos planos daqueles que se sentam nas cadeiras do poder.
Com isso, cria-se um ciclo trágico: sem cultura, o sujeito tem sua formação empobrecida. Tendo sua formação empobrecida, o consumo de bens culturais para ele é algo desconhecido ou desnecessário. E assim vamos nós, lutando contra a lama das enchentes e contra a lama imoral de nossa política pobre e sem rumo.
O segredo
O filme, que ainda não vi, é estrelado por Ricardo Darín, um dos mais bem-sucedidos atores da Argentina (o último que assisti com ele foi “XXY”, o drama de Alex, que nasceu com características dos dois sexos). A direção é de Juan José Campanella, o mesmo de “O filho da noiva”, que é bastante conhecido do público brasileiro e que, aliás, também tem Ricardo Darín no papel principal. Mas sobre “O segredo dos seus olhos”, eis a sinopse publicada pelo UOL Cinema:
Após trabalhar a vida toda num Tribunal Penal, Benjamín Espósito se aposenta. Seu tempo livre o permite realizar um sonho longamente postergado: escrever um romance baseado num acontecimento que vivera anos antes. Em 1974, foi encarregado de investigar um violento assassinato. A Argentina entrava num ciclo de extrema violência política e a investigação colocou em risco sua vida. Ao escavar velhos traumas, Benjamín confronta o intenso romance que teve com sua antiga chefe, assim como decisões e equívocos passados. Com o tempo, as memórias terminam por transformar novamente sua vida.
Ditadura
Zé Celso Martinez, Jaguar e Ziraldo já receberam a indenização do Ministério da Justiça por causa da perseguição que sofreram durante o regime militar. Zé Celso levou R$ 570 mil e receberá cerca de R$ 5 mil mensais até sua morte. Jaguar e Ziraldo receberam, cada um, em torno de R$ 1 milhão e vencimentos mensais acima de R$ 4 mil.
Bom, acho que ninguém questiona a importância e a competência desses senhores magistrais. Acho também que poucos dão razão aos procedimentos selvagens adotados por qualquer ditadura. Mas uma coisa fica batucando aqui na minha cabeça: é justo indenizar figuras importantes, queridas e, eu diria, fundamentais para a cultura brasileira e não destinar o mesmo tratamento a anônimos – ou a famílias desses anônimos – que talvez tenham sofrido barbaridades ainda maiores?
É apenas uma proposta de reflexão. Zé Celso, Ziraldo e Jaguar são figuras sem as quais a cultura brasileira seria mais pobre. Mas eu não acho que o ser humano deva ter sua importância analisada sob o ponto de vista de sua representatividade social, cultural ou seja lá de que âmbito for. Acredito que um anônimo pode, proporcionalmente, ter uma importância cem vezes maior do que seus semelhantes que vivem sob os holofotes.
Como eu disse, é apenas uma proposta de reflexão.
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