Em 2004, numa de minhas viagens a trabalho (na época eu dava aulas de jornalismo em duas cidades do Interior), seguia bem à minha frente um caminhão pequeno, e sobre a carroceria balançavam alguns engradados numa carga muito mal arrumada em que pescoços de galinhas ou frangos, sei lá, mostravam-se sob aquele ar perscrutador típico dessas aves.
Por um desses instantes de perdidos pensamentos, em que me esqueci completamente dos filés empanados, das galinhadas e das coxinhas, veio-me à mente uma breve comiseração. Pobres bichos presos, devo ter pensado.
Como a rodovia era de pista simples e aproximava-se perigosamente uma curva, mantive-me atrás, obedecendo a certa distância que me permitisse uma manobra de emergência caso uma daquelas caixas viesse abaixo. E não deu outra. Pouco antes da curva, uma delas voou fora da pista e espatifou-se no acostamento, libertando algumas aves.
Diante do pequeno acidente, eu praticamente parei o carro, enquanto observava dois sujeitos correndo atrás dos ex-detentos à beira da estrada. E, não sei por que motivo, torcendo para que eles escapassem.
E um deles realmente adiantou-se em meio a um pequeno matagal, atravessou a cerca e deixou para trás os perseguidores, que certamente faziam seus cálculos e concluíam que antes meia dúzia de galinhas ou frangos, sei lá, nas mãos do que um a mais tentando livrar-se deles.
O diabo é que – eu pude ver enquanto já trafegava ao lado do caminhão estacionado – o fugitivo foi surpreendido por um belo vira-lata, que passou a almoçá-lo sem qualquer cerimônia.
Às vezes, não compensa fugir de nosso destino quando ele se mostra contrário aos nossos planos. Pode haver algo ainda pior a nos esperar numa outra encruzilhada. Mas quem saberá? Quem diz que aquela ave branca que levou a primeira bocada do cachorro não viveu naqueles poucos metros a maior aventura de sua vida e por isso mesmo foi engolida feliz? E quem pode afirmar que tão logo eu me voltei novamente à estrada, a galinha ou frango, sei lá, não se soltou do vira-lata e, em voos curtos, meteu-se no meio da plantação e foi-se embora viver um novo desafio? Quem?
Velhos desafios
O jornalismo impresso está na boca do vira-lata. Sendo almoçado. A refeição já começou, mas ainda há tempo para o jornalismo impresso. Caberá aos que o fazem escolher entre as pequenas e definidas dimensões do engradado e as incertezas da vastidão lá fora. O caminhão parou e parece ser um bom momento para a escolha.
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