Farra

Se o próprio presidente não está nem aí para a lei, o que se pode esperar da nação de um modo geral? Essa verdadeira farra do Lula, que dá de ombros para a legislação eleitoral (já levou não sei quantas multas), é uma boa mostra de como as coisas não andam tão bem assim no Brasil.

Hoje, todo mundo bota na cabeça que o país é outro, que a população está em melhores condições econômicas etc etc. Claro que não há como negar vários tipos de avanços. Mas que avanços são esses e sobre que bases eles são avaliados?

No jornalismo, costumamos sempre pedir muito cuidado aos repórteres para as armadilhas dos índices. “Homicídios crescem 50% em um ano”. No ano passado, foram quatro e neste, seis. Sim, em sua frieza marmórea, a informação está correta. Mas quando paramos e analisamos com calma, existe nesse caso um número muito baixo para ser tomado como base.

Subir de quatro para seis ou de 100 para 150 é, em termos percentuais, a mesma coisa. Mas não se pode dizer o mesmo em relação aos números absolutos.

No Brasil, parece-me, as análises pendem para essa armadilha. O sujeito, há dez anos, comia uma coxa de frango por semana. Agora, come uma coxa e meia. Pronto: está bem melhor. Sua alimentação melhorou 50%.

Desculpem-me, mas não dá para avaliar uma nação pelas esmolas que o governo oferece. E diante das esmolas dadas, o presidente se acha acima do bem e do mal (aliás, vejam a verdade da situação: a própria oposição – Serra – usou essa mesma terminologia na semana passada: Lula está acima do bem e do mal).

É duro ver uma nação de quatro por meia coxa de frango a mais. Posso dizer isso com tranquilidade porque fui eleitor do Lula em várias eleições.

E o pior de tudo: fora as multas vagabundas que são aplicadas por causa do desrespeito do presidente às leis de seu próprio país, a maioria dos cidadãos acha tudo normal. O Lula pode. Afinal de contas, ele agora dá uma coxa e meia de frango.

Equívocos

Não concordo com as palavras vazias sobre os “avanços sociais” do Brasil. Volto a me resguardar: não discuto aqui se o sujeito está comendo meia coxa de frango a mais. Pra mim, “avanço social” não é encher um pouco mais a barriga.

Esse tipo de coisa mais me parece como uma compra inteligente de votos. Claro que as pessoas que comiam mal ontem e passaram a comer menos mal hoje podem ser mais facilmente convencidas a votar em quem lhes deu a meia coxa extra.

Uma nação não se deve medir apenas pelos bocados a mais vindos do prato de comida. É preciso muito mais. Por que não se investe também em educação? Em cultura?

Na verdade, o que o Lula – carismático e mundialmente respeitado – faz hoje é o mesmo que os governantes do século passado faziam de maneira mais descarada: dá pão, mas nega à imensa maioria da sociedade o direito sagrado a uma formação decente que possa lhe garantir o acesso à informação, ao conhecimento e, por fim, à consciência crítica capaz de avaliar aqueles que a mantêm sob o domínio de meia coxa de frango a mais.

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