Num ônibus do litoral paulista rumo a São Paulo. Uma mulher sessentona, ou talvez setentona, travava um curioso diálogo com um sujeito um pouco mais novo que se sentava além do corredor, ao lado dela. Eles já vinham no carro e o papo corria solto.
– … Nããããooo, de jeito nenhum – impressionou-se a mulher, olhos babando fel.
- Puxa vida! – admirou-se o sujeito, quase que num sussurro apenas para ele e mais ninguém.
- Ali nunca teve santo!
- E os filhos da senhora?
- Ah, esses são outros sonsos.
- Hum...
- Puxaram o pai.
- Ah é? Hehehehe...
- Ah, ali não sobra ninguém...– expandiu-se de vez a mulher, erguendo a voz para quem quisesse ouvir no ônibus – Nem pai nem filho nem espírito santo!
- E o marido da senhora sabia que o irmão enganava ele?
- Iiichiii! Sempre soube. Um moleirão! O outro levou casa, dinheiro e o que mais conseguiu.
- E ele nunca falou nada?
- Nada, nada. Bom, ele não ia levar nada mesmo porque morreu logo depois do velho, mas podia ter deixado pros filhos, né?
- É verdade...
- Ah, mas no velório vieram lá com conversa mole daqui, conversa mole dali, porque coitado daqui, coitado dali, isso e aquilo. Eu falei assim: olha aqui, deu a hora, não deu? Fecha a tampa e manda pro cemitério!
Depois, ela repetiu mais umas trinta vezes que o cunhado metera a mão na herança da família e que os filhos dela ficaram a ver navios, tempo suficiente para chegarmos ao metrô do Jabaquara, onde duas empregadas domésticas desciam a guasca nas respectivas patroas. Mas isso fica para outro dia.