Em 1954, meu pai ao lado de caminhão carregado de capim
Participei da última cena da vida do meu pai. Ele estava morrendo no hospital. Do lado de lá do leito, minha mãe. Do lado de cá, eu. Na cabeceira. Meus irmãos e outras pessoas esperavam no corredor. Aconteceria a qualquer momento. Era uma noite no fim de março. Temperatura amena. Pela janela, dava para ver as árvores oscilarem num vento de chuva que viria.
Meu pai era um sujeito de certo modo rústico. Nasceu, cresceu e viveu no campo. Filho de espanhol e brasileira, era branco, mas a pele tostada do sol. Do trabalho. Da terra. Estudou até o terceiro ano primário, mas sabia tocar a vida. Planejar. Organizar. Comandar.
Era quase sempre duro. Mas sentimental. E brincalhão. Divertido. Jamais apanhei dele. Nem um tapinha que fosse.
Só que o diálogo era vago. Não havia. Culpa de quem?
“Você me diz que seus pais
Não entendem
Mas você não entende seus pais...”(“Pais e filhos” - Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfá)
Hoje, às vezes, intrometido que sou, digo a amigos que eles precisam entender seus pais. Que, sob qualquer hipótese, eles são os errados quando não se esforçam para isso. Depois, quando já disse, pergunto a mim mesmo quem sou eu para dizer algo assim a quem quer que seja.
Naquela última cena da vida do meu pai, acariciei seus cabelos impregnados de óleo da morte. Acho que foi o único gesto de carinho que dispensei a ele em toda a minha vida, e eu já tinha 30 anos. Nunca disse a ele que o amava. Nem no derradeiro momento, quando ele cravou em mim seu olhar final.
Lá fora, as árvores chiavam ao vento. A chuva viria mais tarde. Uma terrível cólica de rim revirava-me a alma. E no meu peito começava a remexer-se o germe de um remorso que hoje já entra na adolescência.
Abaixo, algumas fotos dele:
Em 1962, com seu cavalo branco percorrendo o sítio
Em 1966, com nossa cachorra chamada "Preta"
Em 1979, preparando-se para desfilar no Carnaval
Em 1983, em "concerto" com o primo Paquito
Veja Renato Russo cantando "Pais e filhos"
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