Confissões: ‘Por toda a vida’


Algum tio velho da minha família tinha um desses capacetes que os soldados usam na guerra. Não sei de que guerra ou revolução era o dele, mas um dia – lá pela década de 1970 – ele o deixou em casa, também não sei bem o motivo. O que sei é que fiquei fascinado por aquele objeto estranho e pesado de cobrir a cabeça. Eu devia ter uns 5 ou 6 anos, mas eu me lembro bem o quanto eu gostaria de poder usá-lo. Só que minha mãe nunca me deixava tocar nele. Ficava em cima de um armário e eu não podia alcançá-lo.
Num domingo, depois do almoço, nós estávamos na sala e chegaram alguns parentes para uma visita rápida. Quando eles foram embora, todos saíram à calçada para se despedir. Meu pai havia pegado o capacete para mostrar a um dos parentes e quando saiu à rua, ainda carregava-o nas mãos. Ao lado dele, estava minha mãe com meu irmãozinho no colo. Devia ter uns dois ou três anos. Por uma brincadeira, meu pai colocou o capacete na cabeça do meu irmão.
Até ali, eu nunca havia sentido uma raiva tão grande. Eu sempre quis colocar o capacete, mas nunca me deixavam. Uma bobagem, é verdade. Mas para uma criança as bobagens podem ser coisa séria. Eu pensei algo como “tomara que morra”. E nisso, o que se passou foi tão aterrador que eu jamais pude esquecer. Alguém da vizinhança, acho que também por brincadeira, fez alguns disparos com um revólver. E uma das balas ricocheteou exatamente no capacete que cobria a cabecinha do meu irmão. Ele foi salvo pelo capacete de guerra.
Até hoje eu me lembro de como me senti por causa do pensamento que eu tivera alguns segundos antes. Um pensamento que nunca pude confessar. Porque ainda me sinto culpado. Bobagem? Talvez, mas bobagens de crianças às vezes nos marcam para a vida toda.

Professor, 35 anos, Belo Horizonte

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