Atrás do balcão, o dono do pequeno café sente uma certa tensão ao observar o cliente da mesa cinco. Está sentado ereto, como alguém treinado a manter-se em posição adequada para preservar a coluna, a cabeça levemente voltada à esquerda, para a rua, onde uma chuva leve faz os poucos pedestres se protegerem sob os toldos. Tem meia idade, no máximo cinquenta anos. Um sobretudo cáqui incha-o além da conta. Os óculos às vezes embaçam, mas ele não os tira. O estabelecimento já se encontra vazio a esta altura. Passa um pouco das onze da noite.
Revezando-se em olhares para a rua e para as duas xícaras vazias, aquela figura estranhamente imóvel torna-se a cada minuto mais perturbadora. Ao menos para o dono do café, que já apagou as luzes do lado oposto de onde está sentado seu único cliente. E agora começa a inquietar-se pra valer. Ao apertar o interruptor, olhou descaradamente para o homem ereto, como a dizer-lhe “já estou fechando, é hora de ambos irmos embora”. Mas o outro nem mesmo se deu ao trabalho de mover a cabeça. Permaneceu quieto, fitando a rua cada vez mais deserta.
Receando estar diante de alguém que poderia esconder qualquer arma naquele pesado casaco, o dono do café aproxima-se da mesa e retira cuidadosamente as duas xícaras, enquanto de esguelha percebe que uma das mãos do sujeito esconde-se debaixo do tecido. Uma breve arritmia ataca-o e provoca em suas mãos um pequeno tremor que balança as xícaras sobre os pires levados ao balcão.
Uma viatura da polícia passa em frente, bem devagar, repleta de soldados. O comerciante gostaria de gritar para que entrem tomar algo de graça. Mas prefere fitar novamente seu cliente. Este, com um movimento típico das corujas, faz girar a cabeça levemente e encara seu anfitrião, talvez um olhar comum não fosse o estado de espírito do dono do café. Sorri para o cliente como sorriem os personagens de desenho animado quando são flagrados e já sabem que vão se dar mal.
A chuva parou. Um vento frio assobia por entre as frinchas da porta de madeira e vidro. O aroma de café espalha-se com o sopro. Do outro lado da rua, alguém acena em direção ao café. O comerciante aperta os olhos ao mesmo tempo em que ouve o cliente erguer-se deixando a cadeira cair atrás de si num baque surdo. O coração gela. Sob o balcão há uma faca grande e ele pousa a mão sobre o metal frio com a intenção de defender-se. O cliente, vindo em sua direção, põe uma nota em cima do caixa, vira-se bruscamente e sai sem dizer palavra. Um pouco antes de ver duas silhuetas abraçadas na calçada oposta, o homem cheio de receios sente um fiapo de sangue escorrer entre os dedos e um fio de vergonha escapar-lhe em meio às lembranças que insistentemente lhe recusam a imagem do último abraço de amor que ele experimentou, isto é certo, mas já não sabe quando.
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gostei bastante do conto, bem escrito, final bacana.