O jornalista e escritor Júlio Cezar Garcia (foto reproduzida de seu livro)
No início dos anos 1970, o jornalista Júlio Cezar Garcia atuava em São Paulo. Era o período mais pesado da ditadura militar que começara com o golpe de 1964 e só terminaria em 1985. Diz ele: “Numa noite, eu estava indo pra casa numa rua deserta quando vi um vulto ao meu lado; dei um pulo tentando me proteger, já pensando nos milicos...” O episódio, contudo, deixou-o entre o constrangimento e o ridículo. Havia se assustado com a própria sombra! Nunca me esqueço dessa passagem emblemática da vida do Júlio e da vida do próprio país. Ele a contou durante evento de jornalismo numa faculdade em que eu dava aulas em 2003 ou 2004, o ano não me lembro ao certo.
Em 2008, ele lançou “O dia em que Jesus pilotou um avião” (THS Editora, 134 páginas), belo livro de crônicas e memórias que reflete o profissional correto, ético e crítico, e o homem doce, honesto e franco, características latentes no autor. Faz algum tempo, estou para escrever algumas palavras para falar do Júlio e do livro, que adorei. Entre outras joias, contadas nos textos invejáveis do Júlio, há “Sobre prédios e monumentos” (pag. 35). Ele descreve um episódio emocionante em que, ao seu lado, a avó tenta convencer a diretora de uma escola de Assis a lhe arrumar uma vaga no meio do ano. Tinham mudado para lá em julho e nessa época a escola já estava com seus bancos cheios.
Não havia como acrescentar mais um aluno, explicou a diretora. A avó, então, queixou-se: “É triste um homem trabalhar no Estado e não ter, do Estado, um lugar para o filho estudar”. Dona Maria Emery Pires Soares, então, sensibilizou-se. Uma solução foi encontrada para que Júlio pudesse estudar. Ele encerra o texto assim: “Hoje, quando tateio na neblina da memória minhas lembranças de Assis, os hotéis Vieira Dias e Santa Rosa (*** O texto já havia avisado ao leitor que na década de 1960 esses hotéis eram prédios imponentes) ficam pequenos perto de um monumento que só eu enxergo. Chama-se Maria Emery”.
Na época, eu disse a ele que me emocionei com esse desfecho. Para escrever algo assim, tão simples e grandioso como uma obra feita de tijolos, é preciso ser ao mesmo tempo profundo e sensível. Essas são outras características do autor, talvez as principais. As que fazem com que o Júlio trate os amigos como flores e as mulheres, como pétalas (aqui, por favor, sem nenhum duplo sentido: é que ele deve estar no quinto casamento). Mas o caso é que o livro inteiro é emocionante, lírico, irônico, curioso, engraçado e dramático. Sim, o Júlio consegue reunir tudo isso debaixo de suas palavras.
Na dedicatória do exemplar que tenho comigo (e que costumo reler de vez em quando com muito prazer), ele me trata como “grande amigo”. A recíproca é inteiramente verdadeira. E o curioso é que se somarmos o tempo em que estivemos juntos, no trabalho ou na vadiagem, serão apenas algumas horas. Isso, no entanto, é pouco representativo. O relógio da amizade dá voltas inexplicáveis. Não é possível compreendê-lo. Temos, eu e o Júlio, um grande amigo: o também jornalista (atua principalmente na área fotográfica) Otávio Valle, o Tatau. Certa vez, ele chega e me diz: “Marcião, você precisa conhecer o Júlio Garcia, tenho certeza de que vocês vão se curtir”. Nessa época, o Júlio trabalhava em Rio Preto. Eu, em Bauru. Aproximadamente um ano depois, eu ouvi a história da sombra. Finalmente, tínhamos nos conhecido. E foi preciso muito pouco para que eu passasse a admirá-lo sinceramente. Hoje, pelo que sei, o Júlio está em Brasília. Faz tempo que não o vejo. A distância do Júlio, é triste dizer, nos empobrece.
Capa do livro que traz crônicas e memórias do jornalista
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Quando conheci o Julio em Rio Preto (Ele, Mateus Camargo e Rogerio me acolheram muito bem!) no ano de 2000, logo disse a ele também: você deve conhecer o Márcio ABC. Viva o relógio da amizade! As características que bem descreveu sobre ele, só outra pessoa as possui: você! Que vontade de sentar na mesa de boteco numa tarde de sábado com os dois!
Chama eu tb para essa mesa…
Abraços a todos os envolvidos nesta ação entre amigos.
Márcio, sempre leio coisas boas sobre Julio Garcia mas nunca as palavras me tocaram como as suas me emocionaram… que ele “não saiba”, mas “ele é o cara”.