Café com ética

“Que importância tem a ética pra você?”, pergunta o entrevistador.

“Hmmm…”

Acho que a candidata ao emprego não compreendeu. Na minha mesa, interrompo o café por um instante. Ao perceber alguém em apuros como esse, nunca consigo permanecer alheio, deixar pra lá.

“Não precisa ser na empresa, a ética de forma geral”, continua o entrevistador.

Mas a candidata ao emprego travou.

Pego a colherinha e mexo o café. Não vou conseguir tomá-lo enquanto essa encrenca não se desenrolar. Espero por uma pessoa. Chego a espicaçá-la mentalmente por não estar ali. Se houvesse com quem conversar, talvez eu não tivesse prestado atenção ao assunto que não é da minha conta.

“Ética é uma coisa importante, né? Muitas vezes alguém sem ética incomoda os colegas”, insiste o profissional escalado para avaliar a moça.

“É verdade, isso é verdade”, arrisca ela.

Hesito, mas assim mesmo levo a xícara à boca. A bebida ainda está quente. Contudo a coisa na mesa ao lado segue nebulosa. Dou um curto gole. O incômodo persiste. Vontade de passar uma cola a ela...

“Mas sua opinião não precisa ser só sobre a ética dentro da empresa, pode ser em qualquer lugar.”

“Hmmm...”

“Você sabe o que é ética, né? Ética mesmo! Todo mundo precisa ter ética.”

“É verdade, isso é verdade.”

“Ética é uma coisa importante em qualquer lugar. Sabe? Ética de verdade. Isso é importante.”

Vontade de passar uma cola a ele...

“Certo. Tem razão, eu concordo.”

Desisto. Viro a xícara. Mas o café já ficou morno. Café morno é horrível. Dentro e fora da empresa. Em qualquer lugar.

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