Na década de 1990, o juiz de futebol amador Toninho Sanches marca pênalti e é perseguido por jogadores (Foto de Otavio Valle)
Eu sempre gostei de valorizar a imagem por onde passei profissionalmente. Uma das minhas tarefas mais frequentes foi fazer capa de jornal. Sempre gostei de começar pela fotografia. Sem esse recurso, a informação empobrece. O papel empalidece. O jornalismo padece.
Curiosamente, sou péssimo fotógrafo. Aliás, esse é um mal que me persegue. Sou ruim em coisas que gostaria de fazer bem. Fotografar é uma delas (cantar é outra). Me lembro que em 1999 fiz uma viagem a Ouro Preto e lá, com minha ex-mulher, a jornalista Fernanda Villas Bôas, fizemos muitas fotos.
Na volta – ambos trabalhávamos no Diário de Bauru –, entregamos ao Otavio Valle, então editor de fotografia do jornal, nosso trabalho amador. As imagens seriam utilizadas numa matéria de turismo que a Fernanda escreveria. Sem saber quem tinha tirado qual foto, o Tatau escolheu, entre várias da Fernanda, uma ou duas minhas. Me senti orgulhoso pelo meu feito.
Desse mesmo Tatau, recebi uma fotografia que ele fez por volta de 1997 e que eu gostei muito. Foi num jogo de futebol amador. O juiz, após apitar um pênalti, é perseguido pelos atletas em campo. Eu guardei esta foto com carinho, entre muitas outras.
Os fotógrafos que trabalharam comigo, aliás, sempre me presenteavam com uma ou outra imagem, algumas delas minhas mesmo, da minha filha, de coisas que eles sabiam que eu gostava. Volta e meia, chegava um deles à minha mesa com uma fotografia.
O primeiro com quem trabalhei foi o Paulo Roberto Gomes, de Cafelândia. Eu e o jornalista Sérgio Bento tínhamos O Folheto, jornal que rodávamos numa máquina grande de Xerox. O Paulo tirava as fotos.
Foram muitos os fotógrafos (ou fotojornalistas ou repórteres fotográficos) com quem trabalhei: Carlos Torrente, Aceituno Jr., Éder Azevedo, Luiz Teixeira, Quioshi Goto, Angelo Perosa, Ernesto Rodrigues, Su Stathopoulos, Rubens Cardia, Otavio Valle, Sérgio dos Reis, Jorge Alberto Arruda, Elisandro Ascari, Joyce Guadagnucci, Erica Junghans, João Correia Filho, Marinho Santos, Denise Guimarães, Luís Cardoso, Billy Mao, Cristiano Zanardi, Juliana Lobato e por aí vai (tenho certeza de que estou esquecendo algum ou alguns e já peço desculpas antecipadamente). Nem vou citar os que trabalharam comigo enquanto fui diretor de redação do Bom Dia. É muita gente (brilhante!) para minha pobre memória.
Muitas vezes, além das fotografias, as charges também entravam na disputa para fechar as capas dos jornais. Me lembro que no Diário de Bauru, onde lançamos os geniais Junião e Guga, fizemos algumas capas com charges. E no Bom Dia também, com o trabalho do Pelicano.
A cada capa feita a partir de uma imagem grande ou mesmo com a imagem tomando completamente a capa, eu sempre vibrei muito. Porque uma imagem que sustenta a capa de um jornal é uma imagem e tanto. É uma imagem que existiu, tudo bem, mas que um grande fotógrafo ou um puta chargista ou ilustrador ou sei lá quem conseguiu captar de modo convincente.
Escrevi outro dia no Facebook que tive muita sorte por ter sempre encontrado ótimos fotógrafos no meu caminho profissional (e ótimos chargistas ou cartunistas ou alguém dessa gente maluca que inventa obras sensacionais). Além da criatividade e da marca própria que cada um deles cravava em suas obras, eles captavam o que eu queria para fazer a capa.
Para uma capa ou para acompanhar uma reportagem, muitas vezes não basta produzir uma bela foto. Essa bela foto precisa estar conectada com o clima do jornalismo, com o clima do dia, com o clima do tema. No jornalismo, o fotógrafo não faz uma foto para guardar num álbum e mostrar aos amigos. Ele faz uma foto para o mundo, para a história, para sempre.
Será que é por isso que guardamos as fotos? Nós as guardamos porque elas são para sempre? Talvez porque elas carreguem consigo aquilo que o Wando (sim, aquele!) cantou em “Moça” (sim, aquela!): as dobras do tempo. Olhar para uma foto é uma atitude das mais sérias. Ainda parafraseando o Wando em “Moça”: pode até machucar.
Mas por que algumas fotos seguem com a gente e um dia acabam se explicando? A fotografia do juiz de futebol sendo perseguido pelos atletas me foi dada por um amigo, é verdade. Mas poderia estar perdida depois de aproximadamente quinze anos. Não está num arquivo digital. É um pedaço de papel que em sua essência, na imagem, não tem qualquer relação comigo. Um pedaço de papel que ficou guardado numa pasta, que sobreviveu aos anos, a uma separação (onde umas coisas vão, outras ficam), às traças, à desorganização, às gavetas etc etc etc.
Um dia desses, no edifício onde estou morando, encontrei no saguão de entrada um sujeito de cabelos bem grisalhos, muito comunicativo, batendo papo com os porteiros, sorrindo entre uma história e outra. Pensei: conheço esse cara de algum lugar. É o juiz da foto! Fucei nas minhas pastas e a encontrei. Mandei reproduzir. Ontem, eu a entreguei a ele.
“Já te contei a história dessa foto?”, ele me perguntou. Sim, já havia me contado. A história do pênalti. Olhando para a foto, sorriso estampado na face, as lembranças certamente sacudiram sua memória. Encarou-me, convicto e orgulhoso:
“Mas que o pênalti foi batido, foi!”
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