Que me desculpem os que moram em ruas de feira, mas adoro ir à feira. Sei que é visível o transtorno que ela traz, não só à movimentação dos moradores e ao barulho desde cedo, como também à sujeira que só termina de ser retirada à tarde. Mas prefiro ir à feira a comprar certos produtos em supermercados. São sempre mais frescos e com preços que vão baixando à medida que a manhã passa. A tal da xepa.
O que sempre me chamou a atenção são as falas dos feirantes, cada um à sua moda, vendendo seu produto com humor e às vezes até com rima. Desde que eu morava na Lagoa – e lá se vão 20 anos - costumava anotar esses falares e ainda guardo alguns, de diferentes feiras da Zona Sul carioca.
Um vendedor de verduras gritava: “É só pedir licença, entrar no jardim e mexer na horta”. Outro lembrava filosoficamente que não se deve adiar as compras: “Não te benzo nem te curo, amanhã você tá duro!”. Um vendedor de temperos se queixava: “Será possível que nessa feira só se compra fruta-do-conde?” E outro desafiava os moradores do bairro: “Morador da Lagoa só come peixe??? Olha o abacaxi aqui, pessoal.” E apelava, à moda de um candidato a presidente daquela época: ”Não me deixe só, freguesinha, minha barraca precisa de você!”
Os mais maliciosos provocavam os fregueses: “Tá procurando sua mulher, freguês? Tá aqui, na barraca do Chicão, provando a deliciosa melancia. Pode vir, tá tudo aqui!”. Um vendedor de caju, no Jardim Botânico, se gabava: “Eu trabalho por esporte, madame, posso dar desconto bom!” Como seu colega de feira: “Sou fazendeiro, rico e solteiro. Por isso meu produto é barato, minha gente!”
Outro vendedor de fruta se orgulhava de seu produto: ”Coisa boa hoje! Abacaxi bom, doce e amarelinho por dentro. Abacaxi branco passa longe da minha barraca.” Contra reclamações sobre mangas fiapentas, um vendedor da feira da Pça. Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, já oferecia a solução: ”Essa tem fiapo, mas aqui já leva o fio dental de brinde...”. Da barraca de legumes, na mesma feira, ouvia-se a ameaça: “Se não levar agora, não come!”
À pergunta da freguesa se o bananeiro tinha banana-da-terra, veio a resposta: ”Ora, minha amiga, todas as bananas vêm da terra. Brincadeirinha, hoje não tem, não.” Ou “Precisa de tempero? O alho eu tenho aqui. É pegar e levar, só não esquece de pagar...”
-Quer limão, freguesa? Tá verdinho! Quando ela respondeu que já tinha, veio o contra-ataque: -Então leva pra vizinha!
Orgulho dos produtos é o que não falta: “Essa atemoia tá uma delícia, viu só? Tava esperando pela senhora!” E seu vizinho não ficava atrás: “Olhem só que manga linda, capa da Veja, freguesa!” E me dizia, enquanto cortava um pedaço para prova: ”Prepara seu coração! Grandes emoções estão pra acontecer!...”. O que vendia berinjela informava enquanto eu as examinava: “Estão perfeitas. E sem bicho! Com bicho é mais caro!...”
E diante do meu comentário de que como professora eu não podia frequentar as barracas de preços altos na Lagoa, ouvi a resposta:”Ah, você é professora? Minha mommy também!...”
Uma pena que a algazarra atordoante de uma Bolsa de Valores não possa ser substituída pela algazarra poética dos feirantes do Rio. Sonhar não custa...
Tags: Crônicas Ana Flores
Ana Flores,retratas-te muito bem o prazer de frequentar a feira e o desconforto para os que moram em ruas de feira já morei em ruas de feira e já fui a feira diversas vezes.Nota Dez para a crônica.
Valeu, Ruy. Nossas feiras são um celeiro de poetas espontâneos e populares.
Beijo
Ana
É muito legal lembrar deste universo da feira livre. É uma pena q eu tenha me afastado pura e simplesmente por falta de hábito!! Esta sexta comerei um pastel da feira da Gamboa em sua homenagem!!!!
Obrigada pelo pastel, Amei. E não deixe de visitar umas feiras de vez em quando, isso faz bem à alma… 🙂
Abraço