Em algumas horas, sai a última edição do Jornal da Tarde, um dos mais inovadores veículos de comunicação da história brasileira. Mas quero falar do depois. Depois de amanhã. Quando o Jornal da Tarde não circular, haverá no ar uma espécie de implosão cósmica que transformará numa molécula única todos os textos, todas as fotos, todos os anúncios, todas as capas, tudo que já foi publicado ali. E depois, mais nada. Só o vazio antes ocupado por ideias, discussões, genialidades, besteiras etc e tal. Só o vazio.
Eu gostaria de, caso pudesse, enviar uma mensagem de carinho aos colegas do Jornal da Tarde. Eu posso imaginar como eles – ou boa parte deles – estão agora. É uma experiência terrível pela qual já passei.
A primeira delas, ainda nos anos 1980, quando tivemos (eu e meu sócio) que fechar nosso primeiro jornal – ou “jornalzinho”, como todos diziam. Depois de três anos de circulação, faltou dinheiro para tocar o projeto adiante. Duas cenas me marcaram naquele dia. Quando a última edição saiu com a manchete avisando sobre o fechamento, uma leitora correu à nossa pequena redação. Quase sem fôlego, fora buscar o dinheiro do restante da assinatura. A outra cena foi quando abaixamos a porta. Ao passar a chave, eu me dei conta de que não tínhamos mais nada.
Anos depois, a segunda experiência foi com o Diário de Bauru. Traumática ao extremo. Havíamos montado uma grande equipe e feito um jornalismo de primeira linha. Mas tudo naufragou no mesmo problema: a falta de retorno financeiro.
Na semana passada, por coincidência, conversei com uma pessoa que se lembra do Diário. Mas não se lembra que eu trabalhei lá. Conversa vai, conversa vem, disse-me exatamente assim: “Você se lembra do Diário? Coitado, soltava uma tinta nas mãos da gente!”. Nada sobre as grandes reportagens, nada sobre os furos, nada sobre as capas, nada sobre as fotos, nada sobre as ousadias. Apenas a tinta nas mãos.
Hoje, acho que sutilmente encostado pelo jornalismo, sinto exatamente a falta dessa tinta. Do cheiro da tinta.
Travestida de moderna e sábia, a sociedade vai aos poucos perdendo o gosto pelo palpável, pelo toque, pela proximidade, pelo cheiro. Atrás de visores e de telas, somos lindos e descolados, avançados e inteligentes. Multiplicada pela infinidade de informações cujo todo é inatingível, a superficialidade nos cega. Assinamos correndo embaixo de um texto que não sabemos de onde vem e que não temos tempo para ler, mas que deve ser bom porque tanta gente vai atrás... Condenamos a Veja sem nunca ter posto as mãos num exemplar sequer... Atacamos a Globo porque sempre é bacana demonstrar nosso espírito crítico... Endeusamos o Joaquim sem nunca ter lido qualquer de suas considerações...
Acho que estamos virando rápido demais as páginas. É angustiante. Porque no fim o que está sobrando é só mesmo um vazio que cresce e, por sua amplitude, faz parecer que está cheio.
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