No meio-fio

Durante todo o tempo em que permaneceu deitada, Flavinha não tirou os olhos da pequena planta, um pezinho raquítico que aparentava um resto de canteiro abandonado. O caule fino como um palito de fósforo, três folhas murchas viradas para o chão feito bocas tristes e, paradoxalmente, a flor despontando festiva, como se o raquitismo dali para baixo não fosse com ela.

Flavinha sentiu-se bem com a companhia. Olhando para a planta que de segundos em segundos oscilava ao sabor do vento, para sua persistência e capacidade de sobreviver à beira da sarjeta, próximo a um bueiro, debaixo da poluição e escapando de pedestres desatentos, olhando para aquele ser desprotegido de todas as formas e ainda assim vivo, sentiu uma grande força dentro de si.

- Você está bem? – perguntou-lhe o paramédico.

- Parece que não sinto as pernas.

E de fato não as sentia. Sofreu uma grave lesão ao ser atropelada na faixa de pedestres por um bêbado que fugiu. Passou meses no hospital e na fisioterapia, até que se recuperou e voltou a andar.

- Vamos dar uma volta de carro – pediu ao namorado, um estudante de engenharia com quem estava junto havia dois anos.

- Onde?

- Não interessa, vai!

Flavinha no fundo não sabia se o amava de verdade, mas, apesar daquelas músicas que ouvia, ele a tratava como uma princesa, era bom de cama e seus pais o aceitavam bem.

Flavinha também não sabia por que estava indo para o local do acidente, mas no caminho, em silêncio, gostou de se lembrar daquela florzinha que nem o nome ela sabia.

- Encosta ali, tá? – disse ao engenheiro.

- Pra quê?

- Só encosta e cala a boca, por favor!

Quando chegaram ao local, não viu qualquer sinal da planta. Haviam pintado a faixa de pedestres, sinalizado melhor o cruzamento e o meio-fio estava bem limpo. Até um cesto de lixo de metal fora instalado ali, bem em cima de um trecho da calçada onde um vândalo qualquer jogara fora, possivelmente de um carro em movimento, uma latinha de cerveja.

Procurando a pequena flor, vasculhando sem sucesso os dois lados da faixa, como se houvesse a possibilidade de ter errado o local, Flavinha foi tomada pela amarga. Um ardor lhe consumiu a boca do estômago.

- Que foi?

- Nada, bobagem...

Voltaram alguns metros e entraram no carro novamente. Quando passaram sobre a faixa de pedestres, Flavinha contemplou o vazio anteriormente ocupado por sua raquítica companheira daquele momento dramático de sua vida. Mas agora a amargura havia desaparecido completamente. Porque talvez – pensava com um sorriso quase imperceptível nos lábios – aquela florzinha sem nome tenha nascido (e vivido!) apenas para mim.

Na avenida, Flavinha sentia-se tão leve que fechou os olhos e teve a impressão de levitar, tamanha era a sensação de bem estar. Mesmo com a música idiota que o namorado acompanhava dando soquinhos no volante.

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