Naquela época era a passagem dos velhos tempos para os novos. Os coronéis ainda mandavam, mas não mandavam. As leis valiam, mas não valiam. As gentes tinham preconceitos, mas não tinham. Antes do almoço, na hora do aperitivo, no balcão de madeira, diante do cálice de cachaça, o coronel Manduri entornava o aperitivo.
- Mas do que se trata o novo negócio aí em frente? - perguntou ao colega coronel Queixada ao observar um toldinho verde recém-instalado sobre uma porta de vidro.
- Ah, e o amigo não sabe? - respondeu com um ar matreiro. - Ali abriu hoje um cabeleireiro unissex!
O coronel Manduri olhou o outro de cima a baixo.
- Cabeleireiro uni de que quantas?
- Unissex, unissex! - repetiu o coronel Queixada, passando-se por modernoso.
O coronel Manduri o olhou de novo, agora de baixo a cima. E pediu mais uma para o vendeiro.
- E isso lá existe?
- Se existe? Mas se até teve gente que foi lá!
- Mas o que vem a ser tal uni?
- Bom, o rapaz que se estabeleceu aí corta cabelo tanto de homem como de mulher...
O coronel Manduri apertou os olhos na direção do salão do outro lado da rua.
- Cabeleireiro sex! Aqui não tem lugar pra essas frescuras!
- Ah, tem sim!
- Pois eu digo que não vai ter é jazinho!
- E o que o amigo vai fazer?
- Pois vou até lá mandar esse sujeitinho se arrancar pra outras bandas.
- Na bala?
O coronel Manduri matutou, acarinhando de leve o cabo do revólver na cintura, pensando nas malditas leis que haviam chegado e não paravam de chegar.
- Pois vou dar um susto nele, vou mandar esse sujeitinho me aparar o cabelo do saco.
O coronel Queixada molhou de pinga o paletó branco depois de cuspir a bebida involuntariamente.
- Não brinque!
- Pois vou jazinho!
E foi.
- O senhor é o cabeleireiro uni não sei das quantas? - perguntou a um rapazinho novo depois de averiguar que não havia mais ninguém no salão.
- E o senhor deseja um corte moderno? - o outro devolveu.
- É - o coronel assentiu com a cabeça na direção do cabeleireiro, - desejo sim. Bem moderno.
E quando explicou a ofensa, ouviu do rapazinho uma resposta respeitosa, mas nada agradável.
- Olhe, seu coronel, pra dizer a verdade ainda estou no começo da minha carreira - justificou-se enquanto abria e fechava a tesoura com um ruído irritante. - Às vezes acidentes acontecem, o senhor sabe, um cortezinho aqui, outro ali.
O coronel saltou um passo atrás, fungou e saiu sem dar bom dia.
Do outro lado da rua, o coronel Queixada o aguardava, ansioso, na calçada.
- E então, o amigo já cumpriu com a palavra tão depressa assim?
O coronel Manduri passou por ele bufando.
- Dá mais uma - gritou ao balconista.
E depois de encher o bucho de cachaça, olhou para o colega, que ainda aguardava a resposta.
- Mudei de ideia - disse por fim.
E deixando o dinheiro da bebida sobre o balcão, pôs-se a caminho. Mas na porta virou-se para o amigo:
- Vou fazer rabo de cavalo!
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