O garoto de uns oito anos lhe puxou as calças: – delegado, delegado, foi ele! – e apontou para o gibi na página onde o 176-617 tinha um quadrinho só para si.
O sisudo policial, da altura de seus 60 anos e de tantas caçadas a bandidos, entregou-se a um instante de ternura:- Foi mesmo? Pois vamos capturá-lo – disse com um sorriso ao menino de olhos arregalados e sobrancelhas erguidas.
- Fica com ele – a criança esticou o braço e entregou a revistinha ao delegado. – O senhor vai precisar para saber quem é o bandido certo porque não é fácil achar a diferença, os três são iguaizinhos!
- Nada disso, meu jovem – respondeu com simpatia o doutor Vaz. – Vou estragar sua leitura.
- Fica com ele – insistiu o menino. – Se ele voltar para o gibi, o senhor pega ele!
O delegado soltou uma gargalhada, passou a mão na cabeça do surpreendente interlocutor e entrou na viatura com o gibi embaixo do braço.
- Que golpe – disse ao investigador que dirigia. – Entrar num banco às duas da tarde e na frente de todo mundo, sem ser percebido, obrigar o gerente a passar toda a grana possível!
- Vamos pegá-lo, doutor! – acelerou o investigador.
Iriam ao distrito e quem sabe ao chegar já teriam informações novas pelo rádio.
Fazia calor e no meio do trânsito da avenida sem árvores o delegado se pôs a ler o gibi. Mickey e Pateta estavam no encalço dos Irmãos Metralha. O velho riu ao se lembrar do garoto.
- Os gibis despertam uma coisa nas crianças – murmurou vagamente para o vento que entrava pelo vidro aberto.
O investigador que dirigia apenas olhou para ele sem dizer nada.
O delegado voltou a folhear a revistinha. E de repente se deteve numa certa página. Aproximou-a dos olhos. Os Irmãos Metralha assaltavam uma agência bancária. Um deles apontava a arma para o gerente. O gerente está entregando ao 176-617 um saco verde com um cifrão preto desenhado. No quadrinho seguinte, o mesmo 176-617 está virado para o leitor com sua cara terrivelmente cômica. Mais um quadrinho e... nada. Está vazio, não em branco, mas vazio. Há o cenário de antes, tudo no seu devido lugar, menos o 176-617.
O doutor Vaz ainda vira a página e passa os olhos sobre os quadrinhos seguintes. E lá estão os outros dois irmãos, ambos estupefatos em suas camisas amarelas e calças e bonés azuis, ambos olhando para o leitor, para ele!
O delegado afrouxa a gravata, fecha o gibi e respira fundo. Depois, balança a cabeça sorrindo em silêncio e guarda o gibi no porta-luvas da viatura.
Eles estão naquele tempo em que, no fim do filme, você via os policiais chegando e podia respirar aliviado.