(Texto feito para o Jornal Cidade, de Cafelândia)
Pelo facebook, o Paulo Roberto Gomes pergunta se eu posso escrever uma “homenagem” a Cafelândia. Eu, pra dizer a verdade, não sei se saberia formular algo desse tipo. Minhas homenagens às coisas que eu gosto estão no meu cotidiano. Por exemplo: até há pouco tempo, eu era diretor de várias redações de jornal e viajava todas as semanas para diferentes regiões do estado de São Paulo. Era muito comum me perguntarem por aí: e sua cidade, como vai? Eu respondia: bom, você deve estar falando de Bauru, mas eu sou de Cafelândia, conhece?
Embora eu viva em Bauru, cidade que adoro, jamais deixei de lado minha Cafelândia. Além da família e de amigos, um pouco de mim continua aqui.
Continua aqui porque foi onde comecei o aprendizado para uma vida cujo maior objetivo é não me separar da dignidade e da honestidade, referências tomadas no seio familiar e a partir das quais é possível enxergar o mundo com esperança. Eu sei que a busca por essas características individuais não passa de obrigação para qualquer ser humano, mas uma obrigação que nos dias de hoje me parece bastante pálida.
Em momentos cruciais da minha vida, quando precisei tomar decisões importantes no campo profissional ou pessoal, esse aprendizado sempre falou mais alto.
Em Cafelândia tive meu primeiro emprego, aos 14 anos. Eu era um trabalhador braçal: varria a loja, espanava os móveis, ajudava a carregar o caminhão para as entregas e fazia também outros serviços mais leves, como ir ao banco e levar as contas aos clientes, de casa em casa, no fim do mês.
Eu penso nessa época com carinho. Às vezes, confesso, eu me sentia humilhado ao desempenhar certas tarefas, mas assim mesmo as fazia. Hoje, olho pelo retrovisor e vejo que, afinal, tá valendo! O homem precisa do desconforto e da adversidade para valorizar o que é bom e belo.
Precisa da dor para aproveitar melhor o prazer.
Quando o Paulo me pediu um texto em homenagem a Cafelândia, pensei em citar um monte de gente bacana com quem convivi e com quem aprendi. Mas desisti da ideia porque correria o risco de omitir nomes que, no decorrer dos tempos, vão se acomodando nas profundezas da minha meia dúzia de neurônios.
E desse modo, para evitar que este texto tenha um contorno impessoal, para não deixá-lo se perder na neblina das coisas genéricas, resolvi escrever aqui o nome de uma só pessoa, que tem nobreza de caráter suficiente para ilustrar na prática minha memória afetiva de Cafelândia: Irineu Menegassi.
Outro dia escrevi em algum lugar que sempre tive muita sorte com meus patrões e chefes. O Seu Irineu foi um dos primeiros. Culto, simpático, competente, apreciador de música orquestrada e artista esmerado e cuidadoso. Um exemplo para qualquer garoto que, como eu, estava saindo das fraldas.
Lembro-me de uma grande lição que recebi dele e que me serviu de modo decisivo para minha conduta profissional. Eu ainda trabalhava na Casa Chic quando comecei a escrever para o Jornal de Cafelândia. Na minha coluna, eu não economizava críticas ao prefeito. Críticas, às vezes, ácidas demais, pesadas para a época. Foi quando o Seu Irineu me chamou ao escritório e, com sua educação refinada traduzida num tom de voz calmo e paternal, disse algo assim: “Márcio, você deve realmente criticar o que está errado, mas acho que sempre é bom fazer isso com respeito”.
É isso. Esse conselho entrou na minha cabeça como a âncora que submerge sob o navio para dar a ele segurança e estabilidade. Uma âncora que pode ser erguida e baixada à medida das necessidades. Cafelândia não deixa de ser uma âncora na minha vida. E, acho eu com justiça, o Seu Irineu é um legítimo representante daquilo que há de bom nesta terra.
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