– Mataram a Xuxa – disse-nos meu tio no domingo de Páscoa.
De início, pensamos se tratar de mais uma das pegadinhas inocentes que ele costuma fazer. Mas vimos sua dificuldade para continuar. De algum modo, a garganta travou e os olhos se umedeceram.
Meu tio é um pequeno sitiante, expulso de suas terras por bandidos há uns quinze anos. Numa noite, cercaram em dois ou três a casa onde ele morava com minha tia. De fora, ameaçavam matá-los, começaram a forçar uma das portas.
Ele pegou uma velha carabina, enfiou no buraco da fechadura e mandou chumbo. Os ladrões fugiram. Meu tio e minha tia, também.
Agora, depois de ter sido escorraçado do lugar onde nasceu, enfrenta outras adversidades. Atacam as poucas cabeças de gado que vivem lá. A Xuxa era uma delas.
Malhada e mansa, gostava que lhe fizessem carinho nas grandes orelhas. Já era uma vaca de estimação.
Mataram provavelmente para vender a carne a comerciantes coniventes com bandidos que lhes entregam mercadorias cuja procedência não parece importar a seus objetivos mercantis.
Um país tipicamente agrícola deixa os pequenos proprietários rurais ao deus-dará. É a grande farsa sustentada por governos e mais governos. Os números são frios. Mostram ano a ano a imponência de grandes safras. Grandes safras que, a exemplos de outros setores da produção nacional, pertencem a meia dúzia.
O grosso da legião de teimosos heróis que continuam acreditando na terra foi jogado a um submundo onde restam poucas alternativas que não sejam o arrendamento para as usinas de cana de açúcar ou o risco de ver tudo levado pelos ladrões.
No fim, meu tio conseguiu conter a emoção e concluiu o relato sobre a morte da Xuxa.
De lembrança da vaca, no meio do pasto, sobre a grama verde, só ficou a mancha vermelha do banho de sangue.