– Você acha que pode? – a mulher que aparenta ter sessenta anos bate uma das mãos na perna, indignada, na fila do banco.
Estão em duas e falam sobre um episódio banal numa escola pública. O aluno quis descer o braço na professora. Pelo que ouvi delas, a coisa não chegou às vias de fato. E talvez a indignação daquela senhora de baixa estatura e olhos graúdos atrás dos óculos acabe se perdendo na grande babel em que se transformou a escola pública no Brasil.
Afora projetos pontuais, cujo mérito está vinculado muito mais aos professores e aos próprios alunos, sobrou pouca coisa além de profissionais mal pagos abandonados pelo Estado e de estudantes perdidos em meio às adversidades geradas pela falta de uma política educacional decente, e bem no momento em que eles mais precisam, naquele período em que recebem a formação básica para a vida toda.
Fiz aqui uma conta rasa e (ao menos no meu tempo de escola pública – décadas de 1970 e 1980) tive entre cinquenta e sessenta professores. Para quem se apega a números, eis aí a tradução matemática sobre a importância da educação (hoje chamada) fundamental e depois a média. Um verdadeiro batalhão de profissionais passa pela sua vida para construir sob seus pés o alicerce do seu futuro.
Para o Estado, entretanto, a educação parece ser um peso do qual é preciso se livrar. E o pior de tudo é que a sociedade, incluindo famílias que muitas vezes também estão pouco se lixando para a formação dos filhos, desde que possam ter seu celular e seu tênis da moda, essa sociedade se omite e com isso leva à degradação educacional e cultural de gerações inteiras.
E pensar que a escola pública teve professores como Tufim Fukuhara. Não sei quantos anos ele terá hoje. Não o vejo há quase três décadas. Mas me recordo perfeitamente de seu Fusca branco e de seu estilo nas aulas de história. Exigia silêncio absoluto quando falava. E para isso, além de nos fuzilar com olhares ameaçadores ou dizendo com sua voz potente "seu mooooooço!", além dessas estratégias que no fundo escondiam sua simpatia e interesse, ele adotava um método bastante simples e inteligente.
Enquanto ele explicava a matéria, ninguém podia anotar nada. Apenas depois que ele concluía, você podia escrever o que chamávamos de “ponto” (o conteúdo). Cada um botava em seu caderno e a seu modo o conteúdo explicado minutos antes. Tufim criava jovens autores. Ou pelo menos estimulava. Não tinha como não memorizar a informação. Isso facilitava tudo: a compreensão (porque o que você escreve é mais facilmente absorvido por sua mente); a prova (porque você se lembrava do que tinha escrito); e o próprio andamento da aula (porque você precisava escrever o que ele tinha dito e para isso era necessário atenção total na hora em que ele falava).
Não é genial? Uma tática simples e genial.
Eu poderia escrever uma crônica sobre cada um dos meus professores. Ou pelo menos sobre a grande maioria deles. Está certo, tive professores arrogantes, chatos, malas e folgados (uma senhora, por exemplo, embora bastante sensual, usava óculos escuros para tirar uns cochilinhos atrás da mesa), mas tenho consciência de que todos eles me ajudaram na busca (que ainda não terminou) por uma vida digna.
Fico pensando no Tufim e em todos eles, e também nos meus colegas alunos, e tento projetar o futuro: será que lá a maioria dos estudantes de escolas públicas de hoje lembrará deste presente que para eles será passado com tanto carinho como eu me lembro do Tufim e de todos aqueles que se dedicaram a nos educar? E será que os professores sentirão orgulho das gerações que tentaram formar?