A poucos metros de onde ela está, uma multidão atira-se à rua tão logo o verde acende para os pedestres, uma procissão que se esvazia em segundos para dar novamente passagem aos carros. Os motoristas já estão impacientes sob o sol escaldante do meio da tarde no centro de Bauru.
Ela observa a cena segurando um guarda-chuva.
Fica ali, parada. De repente, dá um passo à direita e encosta-se a uma parede. O calor sufoca. Eu mesmo, enquanto acabo de fazer o que estou fazendo, sinto certa pressão nas têmporas, como se dois ou três segundos tivessem passado sem que eu os percebesse.
Deve ter mais de sessenta anos. Não chega ser corpulenta, mas tem a cintura larga e rechonchuda, onde sustenta uma das mãos. A outra segura o guarda-chuva. Usa um vestido florido. Continua encostada.
- A senhora está bem? - eu pergunto.
- O quê?
- A senhora está se sentindo bem?
- Ah, estou sim, só estou olhando...
O semáforo de pedestres já abriu e fechou novamente. Agora abre outra vez. A procissão continua. Sorrisos, angústias e óculos escuros misturam-se sobre o asfalto em brasa.
- Eu canso quando ando bastante - ela abre um sorriso resignado.
- Desculpe, é que eu achei que a senhora estivesse passando mal com esse calor...
- Eu vim a pé lá do bairro - ela diz com uma ponta de orgulho.
- Nossa, com esse sol?
- Ah, é bom andar de vez em quando... e a gente economiza um pouco. Sabe como é, vida de lavadeira não é fácil.
- Mas a senhora volta de ônibus?
- Depende do sol - retoma o sorriso e o caminho.
O verde está aberto para os pedestres. Ela põe-se a atravessar. Quando está no meio da rua, o vermelho acende. A buzina de um carro grita sem piedade em sua direção. Ela acaba a travessia e já na calçada, segurando o guarda-chuva, vira-se e acena para o trânsito, como se quisesse desculpar-se.
- Gente folgada! - grita, enfurecido, o motorista depois de abaixar por um instante o vidro fumê de seu carro de luxo.
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