Pensou assim: como é que pode alguém dizer tanta coisa bonita? Ah, a desigualdade é real, e como é! Percebeu que ele apertava sua mão e aos poucos a levava para pousar sobre sua coxa esquerda, sentiu aquele arrepio de sempre na nuca, um arrepio que, feito cólica de rim, você não sabe direito onde está, sabe? Toma você inteira, não dá tempo de concluir sobre origens e consequências, é só mesmo o rompante do fenômeno. E pronto. Pra que explicar?
No instante seguinte, talvez um minuto a mais, talvez dois, sabe-se lá, teve a impressão de que ele havia, sem que ela tivesse percebido, avançado um pouquinho além na sua proposta de um contato mais íntimo. Mas, pra dizer a verdade, ficava quase em êxtase sempre que ouvia todas aquelas palavras cheias de um não sei quê. Pareciam impregnadas, as palavras, de alguma essência capaz de impor ao mundo um novo sentido ou à Terra, uma nova rotação.
Fábulas apaixonantes, histórias de amor, conceitos sociais, críticas políticas, o que mais haveria de interessante em tudo aquilo que ele dizia? Perguntava-se e perguntava-se em meio a um enlevo que a deixava muda enquanto sob a mão pulsava aquele volume quente que ela agarrava quase involuntariamente, apertando-o com um sorriso de satisfação estampado na face. Também não sabia de onde vinha o sorriso, como nunca se sabe de onde vêm os sorrisos sinceros.
Os olhos verdes, o cabelo encaracolado, o corpo ainda esguio, o jeito de lidar com ela, tudo continuava tão nítido desde a primeira vez. Seria impressão ou a mão agora estava molhada?
Esqueceu-se disso, esqueceu-se do pobrezinho do namorado bem ali ao seu lado, esqueceu-se de tudo. Entregou-se a um ímpeto incontrolável e ergueu-se da poltrona para aplaudir o Chico quando ouviu Não, não fuja não, finja que agora eu era o seu brinquedo, eu era o seu pião, o seu bicho preferido, vem, me dê a mão e, pronta para dar a ele sua mão e tudo o mais que ele quisesse, pronta assim é que, bobamente, começou a chorar.