Ainda nos tempos de faculdade, incluí no meu trabalho de conclusão de curso um questionamento sobre a utilização de termos bélicos no futebol. Por que chute forte é bomba e goleador é artilheiro? Estou longe de falar em apologia de violência, deixemos essa discussão para a música – o lado ruim do rap e do funk, além da música sertaneja, que nunca vi ninguém reclamar que incentiva claramente o consumo de cerveja.
Voltando... Naquela época, incomodava-me a abordagem da imprensa sobre o futebol. O inimigo, as armas para chegar à vitória, etc. Demorei a perceber o óbvio, dito na ocasião do meu projeto por José Roberto Torero: “O futebol é, de certa forma, a encenação de uma guerra”. É estratégia de ataque contra defesa. O “football”americano, com seus grandalhões avançando jarda por jarda, é ainda mais representativo, pois ilustra conquista de território.
A justificativa de termos como artilheiro e capitão fica ainda mais clara quando viajamos à origem do futebol. A primeira vez que uma bola foi chutada foi por motivos bélicos. O tsu-chu, prática de 2.500 a.C. que lembra o atual futevôlei, era um treinamento de guerra dos chineses. Desse embrião nasceu o kemari, já praticado num campo retangular com metas nas linhas de fundo. Do oriente para a Europa, berço do futebol moderno: soldados romanos aprenderam o futebol dos gregos (epyskiros) quando conquistaram as terras dos inventores das Olimpíadas – e o Império Romano difundiu os chutes na bola. Não foram poucos os tira-teimas entre exércitos rivais. Diz-se, inclusive, que cabeças de soldados derrotados serviram de pelota.
E se guerra só existe por causa da política, obviamente o futebol se misturou a ela muito tempos antes da farra da Arena no Brasil militar da década de 70. Na Itália, no século XVI, grupos políticos resolveram acabar com uma pendenga em uma partida de calcio disputada na Praça Santa Croce, em Florença. Na Inglaterra, em tempos de revolução industrial, o futebol ocupou os pátios das fábricas. Além de distrair e acabar com a ociosidade dos operários, deixava-os longe dos abastados praticantes do esporte que estava na moda.
Então, deixemos que a crônica descreva com crueza militar os dribles e os golaços nos gramados, pela guerra do bem. Ironicamente, a metalinguagem: na guerra do mal, o bola está lá, pois soldados britânicos, quando não estão matando ou sendo mortos no Iraque, estão jogando futebol – ou seria o tsu-chu?
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