outrora

e, de repente, os olhos se cruzam.
não tinha notado como ele tinha envelhecido.
mas não era pelos cabelos brancos – poucos, mas já visíveis, mostrando que, sim, o
tempo passa.
estava no olhar.
opaco. infeliz. cansado.
uma pena.
os olhos pareciam sem horizonte.
perdidos na imensidão do nada que insistia em afogar a visão.
fitavam vai saber o quê. mal respondiam.
volta e meia, piscavam. necessidade física.
adestrados.
amedontrados.
receosos de, novamente, encontrar algo que fizesse a pupila, já esclerosada, dilatar.
pareciam preferir aquela vida de asilo.
de chá das cinco.
olha de novo para ter certeza.
é. tinha certeza.
e mais: podia jurar que já existia um sorriso ali.
um, não. vários.
tinha um que surgia após as gargalhadas, como prêmio ao bom humor.
outro, por sua vez, era tímido, canto de boca, utilizado nas situações de
vergonha/desejo.
usava em ocasiões especiais - que ele não sabia quais eram até surgirem.
e o de boca cheia? felicidade em estado bruto, querendo ser lapidada por alguém.
faltava só alguém se candidatar a ourives...
cadê?
o gato comeu?
outro olhar...
uma pena.
a barba escondia aquela serenidade de outrora.
esconde o que não era segredo pra ninguém. ou para alguém.
aliás, esconde quase que totalmente - uma falha aqui, outra ali e você descobre uns
pecados acolá.
escondia definitivamente emoções que, antes, até RG tinham.
não gostou do que viu.
não mesmo.
há quanto tempo ele estava assim?
quando se tornou uma caricatura de tudo o que temia?
quando tinha virado o monstro debaixo da cama?
não fazia ideia.
via, agora, um rascunho feito de grafite tipo solidão.
desenho livre. dolorido. esboço sem cores primárias.
os olhares se cruzam.
no exato momento em que se cria o momento eterno.
ele não gostou do que viu.
não mesmo.
apagou a luz acima do espelho.
fechou a porta do quarto.
e foi sonhar.

E-mail: roque.thiago@hotmail.com

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