violão – Texto de Thiago Roque

e lá se foram 11 anos.
ele nem lembrava mais a última vez que pegou o velho violão no canto da sala para tocá-lo.
o cabelo comprido já tinha sido aposentado. um corte curto, a última moda em escritório-com-ar-condicionado, ditava as regras.
também não fazia idéia por que diabos olhou para o violão hoje e sentiu falta, feito carinho de mãe.
talvez culpa.
talvez saudade.
será que existe diferença?
ele não sabe.
em todo caso, pegou o violão. daquele jeito mesmo, velho e empoeirado.
colocou no colo. mão direita passeando pelas cordas, tal qual um corpo no sábado à noite, regado a vinho.
nada. não sabe o que fazer.
não sabe a gravata que combina, o remédio certo para dor de cabeça, o talher da salada a ser usado.
nessa ânsia, fez-se silêncio. sonoro. oco. único.
e doloroso.
ele olha os discos do neil young no chão.
o cheiro do café que vem da cozinha.
a tarde chata, sem sol nem chuva, que se apresenta, com vergonha, pela janela.
os gritos da vizinha com o pobre do cachorro.
a irmã, ainda pequenina, aprendendo a falar.
os fones de ouvido no chão, desplugados.
as estrelas que tantas vezes contou em noites de solidão.
o primeiro tombo de bicicleta.
fecha os olhos.
os dedos se movem. rapidamente, encontram as cordas - meu deus, elas sempre estiveram lá...
sente um som.
sente acordes.
sente cor e gosto. se delicia com o banquete.
é música.
e reconhece a melodia.
está tocando uma canção de amor.

E-mail: roque.thiago@hotmail.com

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