Sei lá, doutor, a hora que eu entrei no quarto e vi aquele homão naquela posição foi tão engraçado, mas tão engraçado, que eu não consegui segurar. Imagine o senhor: uma pessoa chega pra trabalhar todo dia e todo dia ele não está lá, ele já foi pro serviço dele não sei onde. Todo dia ele já saiu, o senhor me compreende?
A gente faz as mesmas coisas um santo dia atrás do outro, do mesmo jeitinho, porque pra que fazer de outro modo, o senhor não acha? Eu chego, pego minha chave na portaria do prédio e subo. Nunca pergunto se ele já saiu. Porque ele sempre já saiu, nunca nunca que ele está em casa.
Pra dizer a verdade, doutor, tem semana que passa e eu nem vejo a cara dele. É dito e feito, sabe? É pegar a chave, dizer bom dia para o porteiro e subir. Abrir a porta e já ir juntando uma ou outra bagunça que fica pelo chão. O senhor sabe como é casa de homem sozinho, né?
A primeira coisa que eu faço é ir ao quarto dele e pegar a roupa suja pra lavar. Não gosto nem um pouquinho de lavar roupa depois das dez. Ah, não, isso é que não. Acabo logo com essa história. Gosto mesmo é de ajeitar o quarto dele, deixar o banheiro bem limpinho, lustrar os móveis, essas coisas, sabe, doutor?
Agora, o senhor acha que eu podia esperar uma coisa daquela? Ah, não, isso é que não. Quem se acostuma a fazer tudo igual não espera nada diferente, ora essa. Três vezes por semana é a mesmíssima coisa, sem tirar nem pôr.
Mas dessa vez! Ah, doutor, nem me fale!
Imagine o senhor: chegar lá e dar com aquele homão naquela posição! Ah, não, isso é que não. Ai, meu Deus! Como eu posso contar ao doutor? Bom, ele tava lá, com a cabeça enterrada no travesseiro grandão dele, os dois braços debaixo do travesseiro, assim, de joelho fincado no colchão, sabe? Ah, meu Deus! O senhor me desculpe. Ele tava lá, de quatro mesmo, ora essa.
A cama dele, doutor, fica assim, olha, nessa posição, e a porta fica bem aqui, o senhor compreende? Quem entra já dá de cara no pé da cama. Então, o senhor imagine uma coisa dessa: aquele homão pelado e de quatro!
Ah, doutor! Não tinha quem não risse. Ah, não, isso é que não.
De cara, eu levei um susto vendo aquelas escurosidades todas, afe! Me segurei na saia de tanto susto, mas quando me deu vontade de rir, ai, aquela risada veio de um jeito que só vendo. Aquele homão pelado de quatro de bunda pra cima, de cara pra mim! Quer dizer, de bunda pra mim!
Como eu ia saber do problema dele, ora essa? Eu nunca soube desse problema de coluna, não, doutor! Diz que trava, né? Ah, doutor, agora eu sei. Me dá até uma pontadinha de pena. Mas na hora, como eu podia saber, doutor? Ah, não, isso é que não.
Eu ri mesmo. Feito louca! Não sei o que me deu. Ainda mais quando ele começou a virar a cabeça pro meu lado! Ah, doutor! Eu fui rindo, rindo que não podia mais comigo. Fui rindo, rindo e indo de fasto até a sala. Deitei no tapete e a risada era tanta que sem querer eu erguia as pernas. Eu gargalhava e erguia as pernas.
O senhor sabe como é uma boa risada, não sabe, doutor? A gente fica não sei de que jeito.
Quando vi, o desgraçado tinha levantado, doutor! Não, agora ele não tava mais de quatro, não! Não tava mais de bunda pra cima, não! Nem tinha mais dor na coluna! Tinha nada, não, doutor! Eu não podia parar de rir. E quando vi, o desgraçado sentou bem em frente de onde eu tava deitada no tapete, rindo, rindo.
E sentado lá bem folgadão, ele começou a rir de mim. Eu ia lá lembrar que eu tinha tirado a calcinha porque ela tava me apertando todinha? Ah, doutor, não queira saber o que é uma calcinha te pegando, te apertando. Ah, não, isso é que não. E o desgraçado fazendo aquela balbúrdia toda por causa disso. Ele falou assim: que posição mais esdrúxula, dona Margarida! E ria feito besta.
Ele ria feito besta, doutor! Ah, tenha dó...