(“O sol poente”, obra de Tarsila do Amaral)
Os homens a atiraram ao chão. Houve um momento de silêncio, segundos de apreensão. Como podem seres humanos agir desse modo? Como se o caso fosse nada mais do que um simples ato do cotidiano? Não sabem os segredos que ela guarda? As alegrias que abrigou? As tristezas que escondeu?
Não lembram de seus dias de luto? Dos seus dias de festa? Não imaginam como era linda à luz do amanhecer? Como seu charme enfeitava a noite?
Por que atirá-la ao chão? Sem dó e sem perdão? Sem o menor respeito pelas coisas que se perdem com sua morte? Sem sequer atendê-la em seu último desejo?
Como se fossem carrascos, os homens a pisam. Ela está destruída. Morta. O sol forte do meio-dia espalha-se sobre seu corpo. Quase posso ouvi-la num derradeiro lamento. Mas nada digo. Porque pareceria loucura.
Ouça-me, só você, que assim como eu acredita na morte: o último desejo, o derradeiro lamento está aqui, repetindo-se em meus tímpanos: derrubem-me, mas tijolo por tijolo.
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