Como diria minha avó (que morreu faz um quarto de século), ontem à noite “peguei” na TV um bom filme que eu não via há algum tempo. Antigamente, eu ouvia os mais velhos conversarem entre eles referindo-se aos programas de rádio ou de televisão da noite anterior. Eles perguntavam uns aos outros: “Você pegou a novela ontem?” ou “Você pegou o fulano de tal?” (quando o apresentador do programa era mais famoso que o próprio programa).
Hoje, se uma velhinha (quando minha avó morreu, era bem velhinha já) perguntar a uma outra se ela “pegou” alguém na noite anterior, certamente vai “pegar mal”. Ah!Ah!Ah!
Bom, de todo modo, revi “A grande ilusão”, que é uma refilmagem do vencedor do Oscar em 1949. O cardápio é política e corrupção, mas inclui também dramas familiares e, claro, relações amorosas. A história, baseada no romance de Robert Penn Warren, ganhador do Prêmio Pulitzer, inspira-se na trajetória de um magnata americano que governou a Louisiana.
Na refilmagem, Sean Penn é o populista Willie Stark, um demagogo fabuloso que vence as eleições para governador desse estado norte-americano com um pé nas cosas ao conseguir levar ao eleitorado pobre a ideia de que ele também é um “caipira” prejudicado em tudo pelos ricos e poderosos.
O elenco é estelar. Além de Sean Penn, atuam Jude Law , Anthony Hopkins , Kate Winslet e Mark Ruffalo. Lembro-me de ter lido algumas críticas negativas à refilmagem. Aliás, o filme passou despercebido do público brasileiro porque, se não me engano, chegou direto para as locadoras.
Eu gostei. Acho a atuação de Sean Penn excelente no papel do político que se torna igual ou pior se comparado àqueles que tanto criticava. Também gosto da simbologia do final, quando os sangues de assassinado e assassino se misturam nas frestas desenhadas no piso do Capitólio.
Fora isso, é sempre bom ver filmes que nos lembrem sobre a necessidade de estarmos atentos à podridão que geralmente permeia a política em qualquer canto do mundo desde a época da minha avó. Desde a época da avó dela. Ao menos para os eleitores, a política é sempre uma grande ilusão. E, ao que me parece, são as grandes ilusões que nos permitem chafurdar nas grandes desilusões, onde muito se aprende.
Minha cotação: bom
Ilusões
Minha avó morreu pensando que Tancredo Neves seria presidente do Brasil. Ela morreu pouco antes daqueles dias turbulentos de abril de 1985, quando a morte do presidente eleito causou comoção nacional. Será que Tancredo também seria uma desilusão para minha avó e para todos que esperavam por um presidente civil há duas décadas?
Minha avó não sabia ler e também desconhecia a data de seu nascimento. Este segundo problema foi resolvido facilmente pelos netos mais velhos, que determinaram um dia qualquer para comemorar o aniversário. Todos os anos naquela data cantávamos parabéns e comíamos bolo. Mas o primeiro problema morreu com ela. Eu só consegui ensiná-la a rabiscar o nome. Acho que tentamos tarde demais.
Minha avó tinha medo de chuva. No sítio onde morávamos, sempre que uma tempestade se aproximava, obrigatoriamente a família toda precisava se reunir na cada dela. Se um raio desabasse ali, riscaria do mapa num segundo uma família inteira. Para nós, crianças, acabava sendo uma aventura, embora muitas vezes fosse doloroso vê-la sofrer enquanto os raios e trovões não se afastavam.
Minha avó morreu deitada na cama olhando para o nada e procurando com as mãos coisas que só ela via ao seu redor: provavelmente, apenas ilusões.
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