Interessante o que ocorre numa sociedade onde o roubo, a enganação compulsiva e o mau caráter são moeda corrente em todos os estratos sociais e profissões: os atos de honestidade e desonestidade provocam reações singulares entre a população.
Nesse tipo de sociedade, justamente porque episódios de falta de caráter são comuns e até vistos como “um traço cultural”, qualquer ato de honestidade passa a ser considerado um fenômeno. Se um gari assalariado encontra uma carteira recheada de dinheiro no meio do lixo e resolve entregá-la numa delegacia, no mesmo dia ele se torna pauta de reportagens, entrevistas, homenagens. Porque nessa tal sociedade, o corriqueiro é guardar para si a grana, escudado pela velha filosofia de que “achado não é roubado”. Mas como esse profissional se sentiu constrangido de se apossar de dinheiro alheio e fez o que sua consciência mandou, virou manchete. Ouvir a consciência dá manchete e chamadas em telejornais.
Também o policial que recusa dinheiro de suborno, o que deveria ser normal para um policial, também é considerado um herói. Porque na tal sociedade essa atitude é raríssima e pega a todos de surpresa – até mesmo quem lhe ofereceu dinheiro. O usual é ficar com o agrado, como outros de seus colegas fazem todo dia, impunemente. Mas a integridade e os valores do policial falaram mais alto e isso também dá manchete, por inusitado.
Por outro lado, se pessoas públicas são acusadas de delitos seriíssimos, mesmo negando até o fim e jurando que são vítimas de armação, apesar de todas as provas em contrário, essas quase nunca são condenadas, presas ou obrigadas a devolver o produto de seus roubos. No início, quando a impunidade é descoberta, ouve-se o coro dos descontentes clamando por justiça; mas rapidamente os cúmplices poderosos tratam de afastar os suspeitos dos holofotes da mídia e principalmente distrair a memória popular e, quando menos se espera, olha eles de volta à vida pública, de caras lavadas e muito mais ricos, candidatando-se novamente, sendo eleitos, nomeados ou aclamados por seus iguais. Impunes e prontos pra outra. E a história se repete, como se fosse inevitável.
Essas distorções chamam a atenção de outras sociedades nas quais a honestidade só tem uma cara e atos íntegros não precisam ser festejados nem recebidos como um fenômeno extraterrestre. Afinal, está bem claro em suas respectivas constituições e códigos penais o que o cidadão deve ou não, pode ou não fazer para viver em paz e deixar os outros em paz, e é assim que a banda toca. Se o cidadão vacilar, dança, qualquer que seja seu sobrenome, saldo bancário ou status social. Delitos e “malfeitos” há em todas as partes do mundo, volta e meia se ouve falar de algum. Mas em muitas outras sociedades, a punição chega rápido e é exemplar.
Como disse uma vez a diretora de um colégio da Zona Sul do Rio, um furto de 5 reais de um colega ou a descoberta de uma cola num teste devem ser exemplarmente punidos, tanto quanto o furto de 500 reais ou a cópia de um texto da internet, assinada por um aluno como se de sua autoria fosse.
Roubo é roubo.
Tags: Ana Flores, Brasil, Sociedade