Enzo e Nero vão à frente, soltos, cansados e felizes
Às duas e meia da tarde do dia 31, véspera de ano novo, decidimos sair para dar uma volta com os cachorros. Eles são dois, um mestiço preto de labrador com vira-lata e um dálmata. Deixamos a cidade para trás com nuvens carregadas sobre nossas cabeças. Levamos seis garrafinhas de água para quatro pessoas e cinco litros para Enzo e Nero. Como bebem. E como mijam!
Vão pela estrada demarcando o que acreditam ser seus domínios. Um simples líquido amarelo filtrado pelos pequenos rins caninos e derramado sobre plantas, mourões de cercas, arames farpados. Que ideia estúpida! Mas assim mesmo eles o fazem. E depois saem ameaçando galopes, saem como se tivessem protagonizado um grande feito.
Andamos mais ou menos dez quilômetros. De ambos os lados da estrada rural, pastos, canaviais e uma plantação de amendoim. Resolvemos desta vez desbravar um canavial ainda crescendo. Os carreadores são praticamente estradas bem cuidadas em meio a uma cultura áspera, de poucos atrativos visuais, quase ameaçadora com suas folhas cortantes.
Aqui, no passado, havia extensos cafeeiros, lindos, de um verde brilhante, cheirosos, atraentes. Tudo se transformou. Cana e mais cana. Sitiantes e fazendeiros alugam suas terras e esperam pelo dinheiro depositado pelas usinas no fim de cada mês. Cansaram-se dos riscos das intempéries e da falta de uma política agrícola decente. As velhas gerações foram engolidas pelo tempo. As novas gerações foram para a cidade.
O campo virou uma encrenca dos diabos para seus proprietários. E os usineiros chegam com dinheiro certo. Não é muito, mas é garantido.
No horizonte próximo, a apenas alguns quilômetros, nuvens pesadas derramavam água sem dó. Penetramos pelos carreadores. Achamos uma mancha de vegetação. Um bambuzal e uma pequena mina que espalha suas águas em redor. Aproveitamos a sombra fresca. Bebemos nossas águas debaixo de uma brisa agradável. Nero e Enzo voltaram a mijar. Nós também.
Observamos, esperançosos, várias vezes as nuvens azuladas, torcendo para que elas se aproximassem. Queríamos tomar chuva com os cachorros. Em meio aos bambus, um facão grande e uma armadilha para preás. São incríveis os prazeres humanos.
Fazia mais de uma hora que havíamos deixado a cidade. Só para dar um passeio. Resolvemos pegar a estrada de volta para casa. Ainda precisaríamos descansar para comemorar a passagem de ano à noite. As nuvens não vinham. O calor sufocava. Novamente os pastos, a cana, a plantação de amendoim. E também o pontilhão da estrada de ferro, a vaca morta da qual restam apenas alguns ossos, as mangueiras esparsas aqui e ali, um garoto chutando uma bola de futebol num gramado e, ao invés da chuva, o sol. Ele surgiu quando, do alto, vimos a cidade lá embaixo, com seus telhados e suas igrejas.
E ao nosso lado, caminhando como donos da estrada, inocentes quanto à transformação da terra, os dois cachorros.