O medo

Quando o Sr. Mendonça apareceu na porta da lanchonete naquela tarde de outono, todos se voltaram para ele. Sempre se comportavam assim. Era numa dessas cidadezinhas onde, ao final do expediente, muitos conhecidos se encontram em certo local para beber ou comer ou só para conversar. E o local era aquela lanchonete, onde sempre que alguém entrava os que já estavam lá se viravam para dizer um cumprimento qualquer, uma saudação alegre e descontraída.

Mas naquele dia, quase ninguém levou a cabo o velho hábito. Porque o Sr. Mendonça trazia os olhos sinistros. Como explicar? Eram olhos diferentes, fixos em um ponto incerto, olhos encaixados num semblante claramente perturbado.

A face dele, encimando o velho corpanzil sexagenário mas ainda bastante sólido, parecia mais vermelha do que geralmente se apresentava. Ele foi se sentar sozinho, numa mesa quase nos fundos da lanchonete. Não pediu nada. As pessoas mais próximas ainda esboçaram novas saudações, mas ele continuava como que perplexo.

Depois de uns dez ou quinze minutos, chegou um dos amigos mais próximos do Sr. Mendonça. Trabalhava com ele na madeireira. Erguiam diariamente pesadas toras. Serravam madeira. Tinham uma saúde de ferro. Eram fortes como touros.

Este amigo, cujo apelido era Timbó, agiu como sempre agia, dizendo olá a todos, dirigindo-se com eloquência ao comerciante, brincando com duas ou três crianças que compravam refrigerantes. E foi se acomodar na mesa do Sr. Mendonça.

Foi aí que tudo começou.

Timbó também se perturbou ao ver o rosto do amigo emoldurado numa fisionomia estranha. Então lhe perguntou se estava tudo bem. Sem fitá-lo, o Sr. Mendonça apenas balbuciou algumas palavras:

- Não é possível, não é possível...

- Mas o que não é possível, homem? O que aconteceu?

- Você não acreditaria, ninguém acreditaria...

- Bem, se você ao menos me contar, talvez eu possa...

- Se vocês acham que conhecem o medo, podem esquecer... não conhecem nada, nada!

Timbó esperou.

- Você sabe, nada me perturba... nada! Mas aquilo! Vocês não podem imaginar, não podem...

Os olhos do Sr. Mendonça davam a impressão de se avolumarem dentro das órbitas. Ele não piscava.

- Meu Deus! Por quê? Por quê?

Timbó segurou levemente seu braço, tentando acalmá-lo. Estava gelado.

- Homem de Deus, me diga o que está acontecendo!

Mas o Sr. Mendonça se levantou e saiu. As pessoas das mesas mais próximas ouviram o diálogo e trataram logo de propagá-lo.

Timbó saiu atrás do amigo. E na lanchonete os comentários correram por todas as mesas. Os habitantes do pequeno vilarejo, acostumados a conversas amenas sobre o tempo e as colheitas, sentiam-se tensos de repente. “Mas o que aconteceu?”, “O que será isto?”, “Que coisa é essa?”. Uma família que ocupava uma das mesas se levantou para pagar a conta. O sol já caía por trás das grandes árvores que escureciam a frente da lanchonete.

No dia seguinte, o Sr. Mendonça, viúvo e sozinho, não foi à lanchonete. Saiu da madeireira diretamente para sua casa. Apenas Timbó apareceu. E foi logo indagado sobre o amigo. Mas pouco pôde acrescentar. Durante todo o dia, o Sr. Mendonça permanecera calado. Dissera apenas o estritamente necessário, e mesmo assim sobre temas relacionados ao trabalho.

O caso foi sendo contado a quem ainda não o conhecia. Em todas as tardes, as pessoas ali pareciam ainda mais assustadas do que naquele dia em que o Sr. Mendonça surgiu com os olhos esbugalhados no limiar da lanchonete. Os dias estavam cada vez mais curtos e poucos se mantinham por lá depois que a noite caía.

Um dizia ao outro sobre o caso do Sr. Mendonça. O acontecimento do Sr. Mendonça passou a ser o assunto preferido durante um bom tempo. “Que coisa assustadora, meu Deus!”, dizia uma senhora após comprar sanduíches para os netos. “Nem me diga”, respondia de trás do balcão a mulher do dono da lanchonete. “Hoje em dia é tudo muito diferente, não temos mais sossego”, acrescentava alguém sentado a uma mesa próxima. “Todos estamos assustados, minha mulher mal sai de casa com tanto medo”, comentava um novo morador, contratado havia pouco tempo pela madeireira.

Quando veio o inverno, e o movimento na lanchonete caiu ainda mais, todos no povoado já consideravam natural se enfiarem dentro de casa mais cedo, fechando as portas com cuidado, apurando a audição diante de ruídos considerados incomuns do lado de fora.

Foi numa dessas noites que mais um dos novos contratados da madeireira chegou à cidade. Era um homenzinho calvo e atarracado. Alugara uma casa bem perto da lanchonete. Havia desembarcado naquele mesmo dia, mas já ouvira falar em várias rodas sobre o caso que amedrontava as famílias do lugar. Ao entrar na lanchonete, já noite, avistou uma mesa quase nos fundos com um sujeito grandalhão tomando uma caneca de chope.

Depois de pedir um lanche para viagem ao comerciante, aproximou-se do único cliente que ainda se aventurava por ali, acomodou-se numa cadeira na mesa ao lado, puxou conversa:

- O senhor é daqui faz tempo? Me desculpe se o incomodo, mas pergunto porque acabo de chegar a trabalho.

- Não, de modo algum. Não é incômodo. Moro por aqui a vida inteira.

Mas o homenzinho calvo e atarracado não tinha muito o que dizer ao grandalhão. E soltou a única coisa que lhe veio à mente:

- O senhor soube do acontecido com o funcionário da madeireira?

- Não, o que se passou?

- Um caso terrível, todos comentam assombrados, uma história de meter medo em qualquer um, acredite.

E o outro, subitamente amedrontado pela informação, fitou com redobrada atenção o recém-chegado:

- Não me diga!

O dono da lanchonete se aproximou, entregou ao homenzinho atarracado o pedido para viagem e, virando-se ao outro, disse:

- Mais alguma coisa, Sr. Mendonça?

Tags: ,

Comments are closed.