Uma vez, quando tinha uns oito anos, sentei-me confortavelmente diante de um armário de casa, abri as portas e de lá saquei um vidro de xarope (se não me engano, chamava-se Tetrex ou algo parecido). Uma colherzinha atrás da outra, passei a saboreá-lo. Que delícia! Quando fui flagrado, já havia entornado ao menos meio tanque.
Até hoje sou viciado em xaropes. Tanto é que procuro não tê-los ao alcance. Ontem, por exemplo, amanheci com uma ameaça de resfriado, a garganta irritada. Lembrei-me de um vidro pela metade. Está certo que não agi como naqueles distantes anos 1970, mas acabo de jogar o vidro no lixo. Vazio.
Sou um risco quando se trata de vícios. Fui viciado em bingo (que saudades!), em um sanduíche de frango desfiado que comia todos os dias no Frutal (pequena lanchonete da Rodrigues Alves que acho que não existe mais), em Zé Ramalho, nos três patetas e no zorro, em truco, em punheta, em autorama, na Liv Tyler, em chocolate bis, em Lawrence da Arábia, em carnaval, em salame e pão italiano, em Philip Roth, em peladas de futebol, em água tônica com limão fatiado e gelo, em Clint Eastwood, em bandido e mocinho, numa professora do ensino fundamental, no trabalho e em tantas outras coisas...
Claro que alguns vícios às vezes voltam. Como o do xarope. Mas o que gosto mesmo é do vício em coisas novas. Houve um tempo, por exemplo, que eu assistia a South Park, mas não era viciado. Agora sou. Embora seja um desenho já meio antigo, pra mim é um vício novo. Todas as noites, eu paro o que estou fazendo para ver aqueles garotos em episódios geniais.
Curiosamente, apesar do meu histórico de viciado, nunca fui atraído pelas drogas, mesmo tendo experimentado algumas. Eu me lembro de uma festa nos anos 1980 em que de repente me deparei em meio a várias pessoas em torno de uma mesa de vidro forrada com carreiras de cocaína. Mas, embora participando de toda a animação do pessoal, não me senti atraído por aquilo. Fiquei por ali apenas tomando uma cerveja sem apoiá-los ou contestá-los. E também sem sofrer qualquer tipo de pressão.
Acho que geralmente o vício não é saudável. Mesmo no caso de South Park. Porque somos de certo modo dominados por algo que foge ao nosso controle. Ficamos sem o domínio da situação. Sem condições de arbitrar. De seguir conscientemente o rumo que escolhemos. Somos apenas levados por um impulso cujas conseqüências não podemos antever friamente.
Por que estou escrevendo sobre ser viciado? Não sei. Acho que apenas para fugir do vício que quase sempre fustiga a mente do jornalista: saber onde vai dar seu texto.
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