Há um século, em 1912, nascia a menina Victória. Ela morreu em 1936, aos 24 anos! Está escrito na lápide de seu túmulo, no Cemitério da Saudade, em Bauru. Enquanto esperávamos que o corpo do pai de um amigo fosse enterrado, sem querer fui atraído para aquela plaquinha dourada (agora não sei mais se era dourada ou se era o reflexo do sol forte, mas acho que era sim).
Não sei por que fiquei pensando em sua tragédia, na tragédia para sua família, para as pessoas que a amavam. Há sensações que não podemos explicar. E acho que nem devemos tentar. Elas simplesmente colam em nossa alma e pronto. Ao meu lado, estavam dois amigos – João Pedro Feza e Sérgio Pais. Um deles (também não me lembro qual) comentou algo do tipo “quantas histórias aqui”. Sim, verdade. Quantas histórias estão guardadas num cemitério. Mas especificamente a de Victória foi a que me atraiu. A história que não sei.
Em “Nêmesis”, Philip Roth escreve (sobre o enterro de um garoto que morre de poliomielite durante uma epidemia em 1944):
“... Aquela caixa em que um garoto de doze anos ficava com doze anos para sempre. Nós todos viveremos e envelheceremos a cada dia, porém ele permanece com doze anos. Milhões de anos se passam, mas ele tem ainda doze anos.”
Nós estamos em 2012. Cem anos se passaram desde o nascimento de Victória. Setenta e seis, desde sua morte. E Victória continua com 24 anos!
Saímos do cemitério. Embora eu tentasse obrigar meus pensamentos convergirem para a família de quem havíamos enterrado, desejando que seus membros enfrentassem bem a situação, a história que eu não sei de Victória não me saía da cabeça.
Do que ela pode ter morrido aos 24 anos?!? Terá sido uma doença boba que hoje curamos com alguns comprimidos? Uma doença que ainda hoje não conseguimos debelar? Uma doença que nunca se conheceu? Acidente? Victória terá deixado filhos, que lhe terão feito netos? Se tivesse vivido, o que ela teria feito a mais do que conseguiu em apenas 24 anos?
Tantas perguntas, mas nenhuma resposta. Apenas a inquietude. A lápide acusando 1912-1936.
À noite, rolando na cama, caiu-me uma vontade terrível, incontrolável. Algo que eu não fazia há anos. Então, submisso e crente, rezei para ela.
Mentira. Não rezei. Não encontro muito sentido na oração como nos é determinada. Prefiro um bate-papo improvisado, de acordo com a demanda do momento. Acho mais sincero e verdadeiro de minha parte. Vejam o que digo: “de minha parte”. Não estou pondo em dúvida a fé de ninguém que reza. Estou apenas revelando como se dá minha relação com o desconhecido.
Enfim, a noite passou. Hoje, agora há pouco, tentando imaginar um final razoável para esta estranha crônica, pensei em concretizar o desejo não realizado. Tropeçando nas vírgulas, tentando me lembrar das palavras, do ritmo correto, engatei um Pai Nosso e uma Ave Maria. Mas saíram tão miseráveis que desisti. Eu não teria sido sincero comigo. Nem com Victória.